Crítica | Glass Animals, “Dreamland”

Mais DIY do que nunca, Glass Animals cria um novo mundo apenas para falar de si em Dreamland.

Dar atenção a estética de cada projeto é uma das melhores decisões que um artista pode fazer. A imagem e o conceito gráfico de um disco podem ajudar muito a chamar atenção para um novo trabalho, e algumas bandas fazem isso com maestria desde o começo da carreira. Glass Animals iniciou com ilustrações hipnóticas na era ZABA e passou pela saturação utilizada para contar histórias de personagens em ‘How To Be A Human Being’, até chegar o momento em que dão espaço a uma pegada mais DIY criando a atmosfera visual de Dreamland. É impossível falar deles sem dar esse destaque a forma como eles utilizam o visual para dar um maior significado ao seu som, é como se o quarteto não fosse apenas sua música, e sim um coletivo de diversas atividades artísticas utilizando transmídias. A banda é como uma página do tumblr, sempre provendo diversos modos de contar suas histórias utilizando qualquer mídia que pode ser favorável para sua narrativa.

Para quem acompanha desde o começo pode ter se surpreendido quando fica óbvio que aqui é a primeira vez que temos canções tão pessoais, falando sobre dilemas e vivências dos próprios membros. O vocalista Dave Bayley mergulha no próprio passado para cantar sobre sua infância, aproveitando para adicionar samples reais através de pequenos interludes que dão um toque de nostalgia ao que as letras pregam. Mesmo que apenas isso já fosse o suficiente para um álbum inteiro, não é seu foco total. Quando em 2019 o baterista Joe Seaward sofreu um acidente de bicicleta quase fatal, o momento de união falou mais alto entre os amigos; Era hora de colocar uma pausa em tudo e esperar o momento de total recuperação do integrante… mas então, uma pandemia aconteceu. Tantas tragédias os fizeram repensar sobre como fazer tudo, o que exigia um pensamento rápido para toda a  preparação de lançar algo novo nos tempos atuais.

Mesmo com dificuldades, glass animals ainda sabe entregar trabalhos de qualidade graças a sua criatividade.

Foi fácil confiar que Glass Animals ainda sim entregaria algo decente durante todo esse turbilhão que eles e o mundo vivem. E isso foi feito, mesmo que na maioria dos momentos o clima pessoal apenas seja transmitido de forma contida, tirando o espaço de energia que ‘How To Be A Human Being’ havia proporcionado tão bem. Em suas dezesseis faixas temos uma constante de produção quase que impecável, já que não é novidade o quão criativo eles sempre foram no que diz respeito a melodias e instrumentais. Já tendo provado que sabem fazer algo mais experimental e pop psicodélico no passado, aqui eles investem em um uma sonoridade ainda alternativa, mas que facilmente poderia colocar algumas canções em uma playlist de música pop. ‘Tangerine’ e ‘Your Love (Déjà Vu)‘ são os melhores exemplos disso, além de se destacarem como as mais contagiantes em todo os quarenta e cinco minutos do álbum.

A única participação fica por conta de Denzel Curry em ‘Tokyo Drifting’, a faixa soa deslocada de uma vibe mais relaxada do resto, o que pode ser pelo fato de que originalmente ela não estaria presente. Tal mudança não foi a única, já que seu nome original; Streetfighter, teve que ser alterado sob a justificativa de tramites legais. É em ‘Waterfalls Coming Out Your Mouth’ que temos o momento de pico, a música (que foi a primeira composta para o projeto) trás rimas e referências noventistas que soam esquisitas demais como um poema, mas é na melodia que frases do tipo ”Fake youth, Scooby-Doo / Push Pops on the corner of the roof / Fruit Loops, superfood / Chat shit but where’s the real you?” acabam formando a melhor faixa do disco.

dreamland passa um pouco do ponto em alguns momentos, mas nada que prejudique tanto seu valor.

A decisão de mudar a abordagem acaba deixando as coisas mais tímidas, culpa disso pode ser a desvantagem física de produzir algo durante um período de isolamento, mas o atraso em mais de um mês da data de lançamento inicial não prejudica, justamente pela razão da banda saber lidar com isso soltando muitos singles e faixas avulsas como preparação. Mesmo depois de todo o toque pessoal, Glass Animals ainda parece um projeto de um homem só. O protagonismo exagerado do vocalista pode causar uma confusão a quem for conhecê-los agora, isso também causa um pensamento de: ‘será que eles são como são justamente por esse fator? ou será que poderiam fazer algo diferente caso não houvesse esse grande holofote em apenas um dos quatro?’.

Dreamland deixa algumas pontas de dúvida a respeito se algumas coisas são realmente necessárias, trazendo a sensação de algo que foi trabalhado em excesso, até ultrapassar o limite do que já estava bom. A inspiração partir de dentro é um bom negócio, mas interludes que só deixam óbvio o que já estava, também tendem a soar como um exagero sonoro. No mais, o melhor ponto sobre tudo aqui é a prova de que a criatividade está muito longe de acabar para os ingleses, ao mesmo tempo em que percebemos que suas próprias histórias não são tão interessantes quanto a das pessoas que eles contavam no começo de sua discografia.

Nota do autor: 75/100

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