Crítica | Dua Lipa, “Future Nostalgia”

Hoje em dia é difícil saber o exato momento em que Dua Lipa ocupou este estado de potência na musica pop atual. Alguns podem dizer que foi quando a cantora recebeu o Grammy de ‘Best New Artist’ em 2019, ou quando a música New Rules atingiu sucesso mundial nas paradas… Mas a verdade é que, talvez nem a própria saiba aquele exato segundo em que percebeu que era um dos maiores atos musicais da atualidade.

É bom sempre lembrar sobre um questionamento muito comum quando um artista se torna tão grande, a pressão. Lançar um disco já é um processo nada fácil, se tornar relevante então… é outro problema. Mas, mais difícil do que estar no topo é se manter nele, e depois do sucesso do álbum homônimo em 2017, o anúncio do Future Nostalgia automaticamente o catapultou para incontáveis listas de projetos mais aguardados.

Um fator que alimentava essa discussão era o comentário recorrente de fans dizendo que Dua era a grande salvação da música pop (o que inclusive, gerou um artigo só sobre isso por aqui). Então tudo que podia conturbar psicologicamente um artista em pré-lançamento, estava acontecendo.

E para piorar, o vazamento do disco na internet gerou uma live no Instagram, onde uma Dua muito emocionada falava sobre como o processo foi algo trabalhoso, além de expressar seu descontentamento com este ‘spoiler’ do material. O que restou para a gravadora foi (em uma decisão muito sábia) adiantar o lançamento e apagar o incêndio fonográfico.

Future Nostalgia é um dos ditadores da sonoridade atual da música pop.

Assim que o disco começa, logo de cara nos deparamos com a melhor faixa do álbum; ‘Future Nostalgia’. A música escolhida, que muito remete a vocais que poderiam servir para alguma faixa do “Human After All” da dupla Daft Punk, é a definição perfeita do som e estilo que é ouvido, e geralmente nomear algo a partir de uma música X tem este mesmo propósito.

A infelicidade é saber que apenas esta faixa tem o toque dos produtores Jeff Bhasker e Skylar Mones. Jeff é um dos maiores exemplos de versatilidade de produção atual, principalmente quando começou a cair nas graças de artistas pop vindo de trabalhos magníficos em álbuns de hip-hop. E Skylar tem sólida experiência com artistas de j-pop, um dos estilos musicais mais abertos a deixar um produtor em liberdade total.

Um ponto positivo (e por incrível que pareça, algo incomum hoje em dia) é o álbum ter um tempo satisfatório. Só há uma música com menos de 3 minutos, o que tende a ser a atual tendência ‘caça-streamings’ mundial. Mesmo que falar de tempo quando citamos “Don’t Start Now” seja bem subjetivo. A música foi a escolha perfeita de apresentação da nova era, mas apóster ganhado uma versão estendida que a transforma em um hino nu-disco, causa uma impressão de que faltou coragem de se jogar completamente na sonoridade imposta.

Em ‘Cool’, a produção do notável Stuart Prince (um dos responsáveis pela grande referência estética “Confessions on a Dancefloor” de Madonna) mixado ao grupo de produtores TMS, fazem dela a melhor canção das inéditas. A letra boba sobre um amor que influência na atitude se funde com perfeição ao instrumental e remete a um visionário do oitentismo no mainstream, o álbum “E•MO•TION” da Carly Rae Jepsen.

Já, ‘Physical’ é claramente a faixa com maior força de todo o disco, e depois da faixa-título é a que mais explora da sua sonoridade… O que faz a música soar tão boa é que ela foi executada para ser um exemplo de perfeição pop influenciada pelos anos 80, e esse objetivo é atingido. A escolha para single foi a decisão correta, e se não tivesse sido, seria facilmente definida como a melhor do álbum pelos ouvintes.

Entre boas adaptações de oitentismo light e canções ‘disco chic‘, Dua Lipa não arrisca tanto, mas define tendências.

O ‘descanço’ do álbum vem com a sequencia seguinte. É algo normal alguns definirem uma ou duas faixas de um disco como ‘fillers’, aquelas que estão ali só para preenchimento de tabela. E por mais que não chegue a este extremo, ‘Levitating’ pode facilmente ser a mais esquecível… justamente por ser aquela que soa como a música tema de festa do núcleo rico de uma trama de Manoel Carlos. Em “Pretty Please” a influência de Prince é clara, mas a música acaba caindo num tom um tanto pobre, mesmo utilizando os compositores de Don’t Start Now.

Os primeiros segundos de “Hallucinate” ecoam como vocais do álbum ‘Ray of Light’ de Madonna, e a música parece amaciar a composição, que claramente conta uma história de obsessão tal qual ‘Every Breath You Take’ . Esta faixa é caprichada pela produção que parece um tema perfeito para um comercial extravagante de uma nova fragrância, mas não vai além disso.

A impressão que fica, é de que ‘Hallucinate’ e ‘Levitating’ e ‘Pretty Please’ pudessem ser apenas uma única canção, o que faz a decisão de coloca-las em sequência como algo esperto. É como se fosse a fase ‘disco chic’ do álbum, e isso que as faz funcionar melhor juntas.

Os violinos no começo de “Love Again” já são um presságio que uma boa música surgiu, a faixa é exatamente aquilo que as anteriores deveriam ter sido, e parece com algo que vai funcionar melhor ao vivo, ou servir para um encerramento da antecipada turnê. Em “Break My Heart” temos um apelo semelhante ao de ‘Physical’, contendo um sample muito bem colocado do clássico sexy ‘Need You Tonight’ da banda INXS. A música é uma das mais divertidas do álbum e parece ficar melhor a cada ouvida, provando mais uma vez que as escolhas de single desta era estão muito bem colocadas.

O bom da música seguinte, “Good In Bed” é trazer uma lembrança em melodia das canções satiricamente inteligentes de Lily Allen, e apenas isso. Está é a parte mais fraca do projeto, e claramente a faixa que poderia muito bem ter ficado de fora… ao contrário de outras, que mesmo podendo ser consideradas esquecíveis ainda sim aplicam o estilo disco de forma maravilhosa. Esta penúltima faixa soa genérica e tem um refrão que poderia ter saído da trilha sonora do saudoso Barney e Seus Amigos, caso não optasse por parecer madura adicionando um palavrão que de nada agrega.

A finalização do álbum vem com “Boys Will Be Boys”, caso o ouvinte escolha ignorar um título tão clichê é possível perceber o verdadeiro significado da canção. Nunca é demais falar como mulheres e homens são tratados de forma diferente pela sociedade, e principalmente a forma pelo qual garotos são moldados a se portar. Dua expressou em entrevista a NME a importância da letra, e aqui ela faz muito bem em adaptar musicalmente fatos comuns que mulheres sofrem. Mas, assim como a faixa anterior, também temos uma pequena fuga do estilo base proposto no disco.

Manter a relevância enquanto se reinventa é o trabalho mais árduo, mas com um ‘Future Nostalgia’ isso fica mais fácil.

O que faz com que este seja um trabalho superior ao primeiro álbum de Dua Lipa é que aqui nós percebemos que a cantora conseguiu manter a essência artística, mesmo estando num patamar onde qualquer erro pode ser fatal. Prova disso, são as (injustas) cobranças com cantoras serem muito maiores do que com homens na música, seja pelos fans ou pela indústria. A pressão sofrida para que este álbum continuasse a transformá-la em um dos maiores nomes da música atual, pode ter sido o que fez dar uma pisada no freio sobre se jogar totalmente na sonoridade base.

Ter os anos 80 como referência e aplicar sintetizadores e tempos com alta influência da época parece ser o novo caminho do mainstream… assim como o dubstep foi, e depois o (insuportável) tropical house. Mas a tática aqui é não aplicar totalmente em algo, utilizar aquela década apenas como um tempero, e ir formulando a musicalidade pop.

Mesmo entendendo isso, é um pouco triste ver que o álbum não desapega da influência da música pop… mas seria inocência imaginar que alguém com o nome tão grande pudesse realmente fazer algo sem que milhares de executivos observassem cada passo e aprovassem decisões.  Tais sacrifícios são necessários para se manter relevante, se reinventar é um trabalho muito árduo, mas com um Future Nostalgia na discografia fica mais fácil para se tornar uma referência de artista que não está para brincadeira.

A torcida que fica não é para que um terceiro álbum seja melhor que este, e sim para que a evolução da cantora após um projeto tão aguardado traga cada vez mais maturidade, e assim defina-a de vez como uma das melhores coisas da música popular atual.

Nota do autor:
81/100

Ouça “Future Nostalgia” da Dua Lipa:
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