Em “From the Pyre” The Last Dinner Party abraça de vez o misticismo

Sendo fiéis às suas origens, o segundo registro de estúdio do grupo mostrou que elas vieram para ficar

Quando a banda surgiu no ano passado com o ótimo Prelude to Ecstasy, The Last Dinner Party parecia um ponto fora da curva — até para elas mesmas. Em uma indústria marcada por eras, é natural a dúvida sobre qual persona assumir em um próximo trabalho e, vindo de uma banda estreante, já era até esperado que suas obras seguintes apresentassem outras roupagens, justamente para experimentar o potencial que poderiam alcançar.

Mas com Abigail Morris, Lizzie Mayland, Emily Roberts, Georgia Davies e Aurora Nishevci o assunto foi diferente. Se no debut o grupo chegou para sanar dúvidas de seu talento, From the Pyre veio com uma intenção parecida — mas endereçado a quem achava que o estilo delas não tinha espaço na música atual. Já na faixa de abertura, “Agnus Dei”, elas poeticamente quebraram a quarta parede com os versos “Isso é suficiente / para fazer você vir? / Eu sou suficiente / para você ficar?”, deixando claro o recado: a banda iria, sim, experimentar, mas sem abrir mão de quem eram — ficava quem quisesse.

Esse traço foi ainda mais evidente com o primeiro material lançado pelas meninas. Colocar a teatral e deliciosamente galhofa “This is the Killer Speaking” como primeiro single foi uma tarefa extremamente corajosa, mas foi nela que se condensou tudo o que a banda tinha de melhor a oferecer: instrumentação mais melódica, produção mais robusta e um agrupamento mais seguro, a ponto de rir de si mesmo na medida em que criticava o outro.

A produção de Markus Dravs — que já trabalhou com nomes que vão de Florence + The Machine a Björk — trouxe mais camadas ao que havia sido desenvolvido no registro anterior, transformando From the Pyre em um sucessor espiritual de Prelude to Ecstasy que exalava maturidade ao ser mais sombrio e denso, sem se tornar vulnerável.

O pop barroco ainda continuava, mas a atmosfera gótica deu lugar a uma ambientação mais folclórica, remetendo a filmes como O Homem de Palha (1973). Nesse sentido, a discografia do The Last Dinner Party, indiretamente ou não, recriou uma linha cronológica de como o estilo gótico que permeou a carreira do quinteto se comportou na história: ora mais pomposo e símbolo de alta cultura, para depois se marginalizar no obscurantismo.

E a forma como o grupo cadenciou essa transição ao longo do disco foi muito inteligente. Mesmo tratando de histórias e temáticas diferentes, elas, sem deixar de se embebedar em referências como Kate Bush — com “Second Best” parecendo ter sido feita para a lenda britânica —, deram um tom ritualístico à obra. As excelentes “Rifle” e “Sail Away” foram exemplos perfeitos de como elas conseguiram agrupar premissas distintas dentro de um mesmo estilo.

The Last Dinner Party pega toda a desconfiança da qual sofria desde o início da carreira — mas que comumente se acentuava em sophomores de ascensões meteóricas — e joga na fogueira onde bruxas foram queimadas. Com isso entoam um ótimo segundo disco que já as coloca como uma personagens importante na mitologia da música moderna.

Olhando para o panorama da indústria atualmente, um registro como From the Pyre não poderia ter saído de outra forma senão pelas mãos do grupo. E nesse caldeirão de soturnidade e originalidade, o resultado foi um elixir que revigorou não só o The Last Dinner Party, mas o rock feminino como um todo.

92/100

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