Tagua Tagua é, há pelo menos dois anos, um dos nomes mais interessantes em ascensão na indústria musical do Brasil, ainda que, na opinião de quem assina esta matéria, o meio em questão não justifica mais seus próprios fins, tendo em vista que é frequentemente sugado por quem valoriza mais o produto gringo ou o “hit” impulsionado pelos milhões.
Projeto de Felipe Puperi, instrumentista multifacetado com sólida bagagem, chamou a atenção dos indies alike com o primeiro trabalho da carreira, Inteiro Metade, lançado em 2020. Mesmo em meio a pandemia do vírus COVID-19, Felipe parece ter encontrado no distanciamento uma forma de embalar momentos de autorreflexão, influenciados diretamente pelo questionamento em uma espécie de abordagem romântica-existencial rodeada pelo medo. Se o pavor tomava conta em uma realidade quase apocalíptica, o músico conseguiu se comunicar com os fãs que começavam a chegar, conquistados pelo balanço de faixas como ‘4 AM‘ e ‘2016‘.
Mesmo lançado num contexto pandêmico, o disco de estreia não parece ter sido produzido rodeado pelo cerne da solitude. Se há três anos uma das poucas formas de se entregar ao clima de Inteiro Metade se dava pela hora de aumentar o volume e arrastar o sofá da sala, em maio de 2023 a história tomou um novo rumo. E para dar início a novos tempos, mais livres e longe da sensação de um futuro perdido, Puperi mergulhou nas águas que banham suas influências e criou Tanto, trabalho de dez tracks lançado em parceria com a gravadora norte-americana Wonderwheel Recordings.
É verdade, a pista de dança talvez ainda não seja o melhor lugar para digerir o trabalho que, em poucas palavras, desfila uma espécie de neosoul abrasileirado com elementos do dreampop. A mistura de guitarras ondulantes e camadas de texturas cria uma paisagem sonora densa. Tracks como ‘Pra Trás’, ‘Brisa’ e ‘Colors’ fazem o ouvinte visualizar camisas florais, tardes ensolaradas e noites quentes à beira-mar.
Tanto funciona como se o ótimo Turnover estivesse no Brasil por uma temporada e precisasse escrever um disco sobre amores veraneios, mas deixando a melancolia de lado e abrilhantando as vivências em prol do todo. Ou seja: o destaque de um dos melhores discos nacionais de 2023 vai todo para a mente por trás do projeto, o próprio Felipe. Não é visionário e revolucionário como ‘Currents’, do Tame Impala — provavelmente uma das referências do músico —, mas a chave está em sua pretensão: o Tagua Tagua não parece querer alcançar o topo a curto prazo.
A apresentação do grupo em São Paulo, na Casa Natura Musical, no último dia 19, reflete bem o que Felipe e cia. parecem querer no momento: expressar suas sensações e sentimentos de forma um pouco mais íntima a quem, indiretamente, parece entendê-los com facilidade.
Com participação da grandiosa Mahmundi, banda fez um show quente, dançante e que deve servir de exemplo a todos aqueles que buscam reencontrar seus caminhos após um período pandêmico tão conturbado. A celebração não só ao lançamento do novo trabalho mas como também a música brasileira foi um dos pontos mais positivos da “cena” — com o perdão do péssimo termo — nacional do ano.
Ao vivo, o Tagua Tagua é conquistador. É como se o clima entre duas pessoas crescesse a cada vez que os primeiros acordes são tocados. A sensação que fica, pelo menos para quem assiste pela primeira vez, é que essa é a única oportunidade que eles têm de mostrar para que vieram. A performance torna gritante a quase necessidade de Puperi pelos encontros que a música proporciona. É potente, frágil, sutil, honesto.
Assim como nomes que vem conquistando os indies abrasileirados por aí, o Tagua Tagua começa a trilhar caminhos com as próprias pernas, levando suas faixas de inúmeras camadas — sem trocadilhos com os synths, por favor — em som e composição para quem eles consideram mais “íntimos” na relação fã + artista. É atmosférico, etéreo.
Tanto talvez não seja o que as grandes massas buscam justamente por se distanciar do que é muito visto e falado, mas é versátil a ponto de funcionar tanto para quem ouve Tagua Tagua pela primeira vez tanto para quem já os acompanha há alguns anos entre bailes e celebrações ao redor do Brasil.