Após mais de 15 anos de estrada, a Zimbra vive um recomeço. Com uma trajetória marcada pela independência e pela conexão com o público, o grupo santista de rock agora inicia uma nova fase após o período com a gravadora Midas Music, revisitando suas origens e consolidando caminhos artísticos e pessoais.
Em primeira mão ao escutai, o grupo revelou que prepara um novo EP ainda para 2025, o primeiro trabalho após o encerramento da parceria com a gravadora. Enquanto o registro não chega, a Zimbra segue rodando o país com a turnê “Tudo se Refaz”, onde vêm apresentando canções de todas as fases da banda em teatros e espaços menores, criando um ambiente intimista.
Antes da última apresentação no Rio de Janeiro, a banda conversou rapidamente com o escutai. Em entrevista exclusiva, o quarteto falou sobre o amadurecimento sonoro, as diferenças entre tocar em festivais e shows solo, a experiência de trabalhar com Rick Bonadio, os contrastes com carreiras individuais e os bastidores do retorno do baixista Guilherme Goes — que perdeu quatro dedos da mão direita após um acidente de buggy e precisou ficar meses afastado dos palcos.
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João Pedro Sabadini [escutai]: A atual turnê “Tudo Se Refaz” está acontecendo em muitos teatros. É para combinar com a estética um pouco mais acústica e minimalista dos últimos álbuns, com mais violão? O que estão achando e como tem sido o retorno aos palcos, especialmente para você, depois do acidente?
Guilherme Goes [baixista da Zimbra]: Eu acho que o teatro traz essa parada mais intimista mesmo, a galerinha mais junta. Como queríamos fazer algo muito legal, com todos os discos da Zimbra, resolvemos fazer algo diferente, que nunca tínhamos feito na nossa carreira. Está sendo muito diferente e gostoso. Sempre fomos uma banda de rock, de cabeçada em casa de show, tocar de madrugada. Então tocar oito da noite, para a galera sentadinha ali, tem o seu valor também. Eu tô muito feliz. É o meu retorno também, quase um ano parado.
Rafael ‘Bola’ Costa [vocalista da Zimbra]: Só para complementar, a gente perguntou se tinha muita gente indo pela primeira vez em um show nosso. O teatro abre essa possibilidade de vir um pai com um filho que às vezes é menor de idade e não consegue ir em outro.
Guilherme: Pois é, já viemos para o Rio de Janeiro quantas vezes? A gente vem para o Rio há mais de 10 anos já. Muito louco isso.
Bola: Exatamente. E metade da galera levantou a mão. Falei: “Nossa, cara, olha que doido”. Às vezes muda o público também, a gente se apresenta para uma galera nova. É massa.
Em uma live, o Vitor já disse que tem influência do Los Hermanos no som da Zimbra. Vocês acreditam seguir um pouco os passos deles também na maturidade sonora? Com um primeiro álbum mais carregado no rock e que foi progressivamente mudando a identidade, com “Azul” e “Verniz” me lembrando o “4” e o “Ventura”, do Los Hermanos, com mais instrumentos de sopro.
Vitor Fernandes [guitarrista da Zimbra]: Los Hermanos foi uma peça-chave para a gente lá no começo da carreira. Nós quatro gostamos muito e escutamos bastante os caras. Com o decorrer do tempo, é óbvio que vamos adquirindo mais conhecimento musical, teórico, e as referências vão mudando. Mas Los Hermanos sempre foi a peça que, no começo, moldou bastante. Hoje, pode-se dizer que ele está ali, mas não é mais a peça principal da coisa. Mas é óbvio que no próximo show do Los Hermanos que tiver, nós quatro estaremos lá, vibrando e chorando bastante, porque é uma das melhores bandas do Brasil, isso é fato.
O Bola, além da Zimbra, também tem carreira solo. Como você faz para definir o que segue para a banda e o que fica no projeto pessoal? Você leva para eles também, é uma decisão conjunta ou é mais do feeling ali na hora da criação? Sem querer fazer ciúme e criar intriga interna!
Bola: Eu não defino, mano. Sendo bem honesto, eu acho que as músicas se apresentam muito facilmente, pelo menos na minha cabeça, do que soaria legal. Eu consigo imaginar o que conseguiria se encaixar no som que a Zimbra faz – que é um som mais vivo, guitarra tocando mais alto, é drive, bateria, prato, baixo, grito, vocal alto. E o projeto solo é bem mais intimista, bem mais violão. O grande diferencial também é o quanto eu posso experimentar algumas paradas talvez meio sem noção, sem compromisso. Na Zimbra tem o crivo dos quatro, já no projeto solo eu posso fazer o que eu quiser sozinho. Isso dá oportunidade de eu errar pra caramba, mas também de acertar, descobrir algum caminho novo. E até me reciclar mesmo, enquanto compositor, para futuramente escrever coisas que eu considero mais legais e melhores para a Zimbra e para a minha carreira. Ele surge dessa necessidade de ter uma lacuna artística que seja fora dessa mesma redoma que a gente já tem uma dinâmica criada.
Falando em modelos de shows: vamos falar de festivais. Vocês já tocaram no Lollapalooza, em 2015, e no Rock in Rio, em 2019. Vocês preferem turnê própria ou shows em festivais? Falta realizar algum sonho nesse ponto, visto que já tocaram nos dois dos principais do país?
Pedro Furtado [baterista da Zimbra]: São dois formatos de shows muito diferentes. A gente foi uma banda que construiu uma carreira paralela a esses circuitos de grandes festivais ou grandes casas. Mais por uma necessidade, porque queríamos estar na praça, viajando, tocando, e nos sentíamos fora dessa panelinha, dessa bolha que promove esses festivais. Falamos: “Cara, talvez a gente não precise ficar batendo na porta de ninguém, vamos fazer a nossa parada. Vamos alugar uma casa lá em Aracaju e vamos fazer um show porque a gente quer estar lá, tem gente que quer ouvir a gente lá, então vamos para Aracaju”. Obviamente que quando surgem convites para tocar no Lolla, por exemplo, ou Rock in Rio, para a gente é quase uma confirmação do nosso corre. Pensamos: “Pô, que legal, essa galera também tá prestando atenção no que estamos fazendo! É uma realidade para nós e para essas pessoas também”. Ao mesmo tempo, não é o nosso pão com manteiga, não é o que alimenta a Zimbra. Não é participar desses grandes festivais, estar dentro desses grandes circuitos. O nosso lance é com a nossa galera, os nossos shows. Todo mundo com 30 anos na cara, vivendo, tendo famílias e construindo realidades, tudo isso com a Zimbra, com a oportunidade que a gente teve de fazer música autoral profissionalmente. É a realização de um sonho.
Os dois últimos álbuns de vocês têm produção do Rick Bonadio – que, inclusive, retomando a pergunta de antes, produziu o primeiro álbum dos Los Hermanos e de outras inspirações para vocês, como o Charlie Brown. Como foi essa aproximação de vocês e como é trabalhar com ele?
Bola: É muito legal ver de perto uma estrutura tão rica e de possibilidades de som. Entrar em um estúdio de quatro andares, com salas e equipamentos maravilhosos, de qualidade altíssima, assim como os profissionais que lá estão. Tudo muito profissional, para a gente que é uma banda que tá há mais de 15 anos vivendo do independente, pegando ônibus para tocar, fazendo turnê sem dormir direito, chegar lá e ver essa megaestrutura. Ver isso de perto foi uma realização profissional e pessoal, cara. Trabalhamos lá por cinco anos, saímos agora, no meio do ano. Foi ótimo, aprendemos muito, temos muita gratidão pelo que o Midas Music fez pela Zimbra nas gravações dos discos, no apoio da estrutura, do marketing, nos lançamentos, fizemos amigos lá. E agora a gente volta a trilhar um caminho sozinho, vamos voltar para um lugar mais pezinho no chão, no sentido de trabalhar com as possibilidades que a gente tem e tentar extrair o máximo disso. Porque tem esse lado positivo da gravadora ter esse suporte por você o tempo todo e te ajudando tanto a alavancar carreira quanto a refinar o seu som, mas esse lado independente tem exatamente essa mesma coisa, mas que você aprende por outros métodos. Você aprende no erro e no acerto, não tem ninguém para fazer a sua capa do disco, você vai ter que correr atrás. Não tem ninguém para gravar o seu disco, não tem estúdio, você vai ter que ir atrás, orçar valor, apresentar o projeto. Então a gente volta a ter essa autonomia
Pedro: A gente tá acostumado com essa dinâmica. Vai atrás, corre, vai para um lado, vai para o outro. Acho que isso puxa uma coisa da Zimbra que esquenta todo mundo, ficamos motivados para fazer o negócio acontecer.
Bola: Parece que tira a gente dessa zona de conforto. E a gente fica, de fato. Apesar de ser mais cansativo, mais trabalhoso, mais estressante porque acabamos cuidando de tudo sozinho com a Marã Música, que é hoje nossa agência de venda de shows e produtora, é um lance que estamos botando a mão na massa. Se a gente não agendar o estúdio, a gente não vai gravar. Se tiver alguém no seu pé o tempo inteiro, uma hora você acostuma, velho. Você sabe que essa pessoa, semana que vem, vai te chamar para gravar um trampo e você tá de boa. Mas eu sei que nenhum dos caras aqui [da banda] vai me ligar semana que vem para gravar um trampo. Então a gente vai se mexendo do jeito que dá, tá ligado? E a gente sabe que é necessário ter essa proatividade agora muito maior porque a gente saiu desse período de ter essa megaestrutura. Agora somos nós quatro por nós quatro e trabalhando de novo igual a gente trabalhou durante 15 anos.