Estrelado pela vencedora do Oscar Emma Stone, “Cruella” é um live-action pequel baseado na animação de 1967, 101 Dálmatas, porém, trazendo um background totalmente inédito da juventude rebelde de uma das vilãs mais sofisticadas do cinema. Ambientado em Londres dos anos 70, em plena revolução do punk rock, o filme acompanha uma jovem esperta e criativa determinada a alcançar o sucesso no mundo da moda. Ela se torna amiga de uma dupla de ladrões, Horácio (Paul Walter Hauser) e Jasper (Joel Fry), e juntos constroem a vida nas ruas de Londres. Um dia, o talento de Estella (Emma Stone) chama atenção da baronesa von Hellman (Emma Thompson), uma lenda da alta-costura chique e muito esnobe. Esse relacionamento dá início a uma série de acontecimentos e revelações que levam Estella a abraçar seu lado perverso e se tornar a maligna e vingativa Cruella de Vil.
“Cruella” tem direção de Craig Gillespie (Eu, Tonya) e roteiro de Dana Fox e Tony McNamara. A história inédita fica por conta de Aline Brosh McKenna, Kelly Marcel e Steve Zissis. Produção de Andrew Gunn, Marc Platt e Kristin Burr. Emma Stone, Michelle Wright e Glenn Close assinam a produção executiva do longa.
Contém spoilers a partir daqui
Já nos primeiros momentos do longa é possível ver resquícios da vilã que conhecemos na animação tomar forma em seus primeiros passos de vida, arrebatadora e com sangue nos olhos, repleta de humor ácido e doida… extremamente doida para ter seu casaco de dálmatas. Mas também somos introduzidos ao lado humano da vilã que não hesita em nos puxar para seu mundo intrigante a cada minuto.
Estella quando criança (Billie Gadson) provou ser excêntrica e única. A personagem que desde o início da vida foi rejeitada, achou maneiras de viver com suas ideias mirabolantes de forma divertida e criativa. Apesar dessa parte do filme ser um pouco longa demais, é interessante assistir a evolução característica que posteriormente iriam moldar sua forma de ver o mundo. A atuação de Billie é um show a parte.
O protagonismo do longa se divide em duas deslumbrantes atuações, Emma Stone (La La Land) e Emma Thompson (Nanny McPhee), que guerrilham de forma perspicaz o holofote da perspectiva malvada e cruel. Ambas dividem o posto de personagem maléfica, cada qual com sua objetividade em ponto – e que no final, se entrelaçam, formando não apenas uma bela dupla de atuação, mas sim uma apresentação unilateral que junta a grandeza das duas sem negativar nenhuma.
Muito se comparou a escolha de Stone como a icônica e cruel vilã (antes mesmo do filme ser lançado), com outras interpretações da personagem, como Glen Close, que interpretou Cruella nos live-actions de 101 Dálmatas (1996) e 102 Dálmatas (2000). É justo dizer que Stone tem uma enorme parcela de iconicidade em seu papel como Cruella, com trejeitos únicos e um emocional diferente do que já havíamos visto na personagem, por isso, não deveria ser comparada com outras.
São abordagens diferentes com um objetivo em comum, trazer a excentricidade de uma personagem amada e igualmente odiada nos mínimos detalhes. Do olhar ao sorriso, do figurino à forma de se portar. Isso tudo Stone consegue segurar com excelência, trazendo à personagem um pouco de si mesma e diria eu, aprimorando suas características vis. A cada cena que passa, seu brilhantismo em atuar com expressões sutis fica cada vez mais visível, envolvendo quem assiste de maneira quase que triunfal e a relacionando carismaticamente mais como uma heroína do que como a vilã – afinal, nós amamos essa vilã.
Apesar de Stone ser a peça chave do longa, Thompson rouba nossos olhares em diversos momentos. A interpretação da Baronesa se sobressai por ser horripilante e grotesca. Mesmo sendo tão chique, sua soberba atrai pela atuação impecável que a atriz entrega, nos fazendo questionar internamente quem realmente é a vilã da história, e se isso necessariamente é algo ruim.
“Cruella” além de ter um visual magnífico, possui uma trilha sonora característica que inclui canções retiradas dos anos 60 e 70, que vão desde baladas feministas ao punk rock. Apesar da variedade, a trilha cria um forte senso de tempo e lugar importante para contar a história, centrado na música britânica dos anos 60, pela qual os Beatles são conhecidos. A trilha sonora também inclui alguns dos maiores sucessos do movimento British Invasion, que inclui bandas como The Animals, The Zombies e The Rolling Stones. Sua sonoridade é inevitavelmente inglesa – e mais do que isso, é excentricamente a música de Londres do auge do movimento rock & roll, o que não poderia dialogar mais com a personagem principal.
Além disso, Florence Welch assina a música original do longa, “Call Me Cruella”. A tão esperada canção de Florence + the Machine toca nos créditos, encerrando a história com uma canção que define o nascimento Cruella.
Ouça a trilha sonora de “Cruella”
Claro que a ambientação de Cruella não se dá apenas por sonoridades, mas sim pelo visual. O figurino assinado por Jenny Beavan, vencedora do Oscar de figurino por “Mad Max: Estrada da Fúria”, ganha vida própria e rouba a cena em diversos momentos do filme com os vestidos exuberantes e chamativos da personagem principal, sinalizando fielmente o envolvimento dela com a moda.
Alguns outros destaques vão para Artie (John McCrea), que auxilia o plano diabólico de Cruella, e Wink, o cachorrinho de Jasper, que serve perfeitamente como o mascote do filme por ser extremamente fofo.
“Cruella” é ambicioso no que se diz respeito à contar uma história inédita e abrir lugar para um leque de oportunidades. Com seus leves defeitos e escolhas equivocadas, as partes positivas continuam somando e o tornando um dos melhores live-actions da Disney até o momento (perdendo só para Aladdin, talvez). Emma Stone e Emma Thompson são a alma do filme que engloba as melhores características de duas personagens densas, interpretadas por atrizes sagazes. Há nostalgia, tensão, humor e muitas surpresas boas. Definitivamente um grande acerto.