FKA twigs cria um estado de espírito em “EUSEXUA”

Terceiro álbum de FKA twigs é literalmente um ritual de libertação

Imagine começar um projeto usando a palavra “EUSEXUA”. É literalmente criar uma etimologia. Para FKA twigs, que usa o termo como título do seu terceiro disco (e também aplica o ouvinte a entender que isso é uma prática, um estado de ser, é o auge da experiência humana), gerar inovação pelo absorto é uma prática – ela faz isso com maestria desde que começou na música. De um modo extremamente singular, ela faz o abstrato ganhar nome, forma e sentimento.

Synths se aglomeram em fragmentos ferozes de uma das várias possíveis deduções do que qualquer artista consegue fazer com sons. Toda essa redoma de criatividade reflete uma luz forte num palco novo para FKA e, que resplandece inovação ao ponto de reconhecermos o projeto todo com um novo tipo de gênero. Isso é EUSEXUA, mas muito mais. É tudo tão sobrenatural, tão corpo trabalhando com o consciente, tão admirável e assombroso.

Parece confuso, mas o estado de esprito “eusexua” se faz por meio do prazer que torna a dor totalmente plausível em ser sentida em cima da pista de dança. É como se o ouvinte já soubesse os próximos passos que o corpo vai gerar através dos sons; quase como uma espécie de consciência e caos coletivo gradativo. É surreal.

Pode soar loucura, mas as onze faixas conseguem com uma fácil imponência ser sempre surpreendentes e sensoriais para purificar a alma —com exceção de uma, mas isso não causa demérito algum. As canções irrigam o design de um ser consciente no estado de espírito criado para o projeto por vias compostas, até o topo, de um contraste lúcido. 

Há a precisão cirúrgica do produtor Koreless colocando e trocando os comandos das peças lotadas de um dance marcante para tornar todas essas sínteses em músicas palpáveis e há toda a atmosfera energética que funciona com uma das maiores elegâncias do mundo reluzida por todo o corpo de FKA twigs e o que é definido como físico (as imagens do disco trabalham em distorcer isso).

As músicas concentram uma simetria espetacular por entre as repetições que surgem na hora certa e às vezes no descontrole. Enquanto se aprecia a imutável qualidade psicodélica de “Girl Feels Good”, feita através da aura cintilante dos anos 90, também é possível encarar o delicioso excesso de “Drums of Death“, pesada peça que pluga, desconecta e repete o processo para dar origem a um ritual de libertação cibernético (e porque não espiritual) que alia movimento a vida.

Num outro momento que serve de exemplo para transmitir a vasta produção, “Home of Fools” é capaz de engolir o ouvinte mediante uma “simples” construção de um número esplendidamente volumoso perpetuado por níveis de volumetrias espessas (e em sincronia, leves) e que se desencadeia em algo que Kate Bush assistiria com orgulho; a voz de FKA especialmente nessa aqui soa fantástica, com um controle vocal impetuoso.

Em tese, twigs propõe que o ouvinte crie seu próprio espaço rítmico de superação e libertação. Como isso precisa surgir (para responder talvez a uma dor, o amor ou apenas o prazer) não importa tanto, o maior fator é fazer acontecer como você achar que deve ser. O prolífico é sempre constante no álbum, seja pela genialidade musical ou o sentimento que as obras exportam.

O EUSEXUA em todo o seu movimento, na prática, funciona como uma sensação corpórea, seja pelo ritmo que o corpo do ouvinte deve alçar ou, simplesmente, pela existência do projeto. Tal como um estado transcendental que excede a euforia e o desejo sexual que não se desperta apenas pelo erótico. Se tudo isso que faz o projeto vibrar não deve ser considerado um disco extremamente espetacular e marcante, o mundo está perdido.

100/100

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