Os sintetizadores alucinantes, o vocal inebriante e a sinfonia oitentista de “Girl With No Face” fazem do mais recente trabalho de Allie X um dos álbuns mais interessantes da atualidade. A batida eletrônica e nostálgica que já foi elogiada em trabalhos parecidos (como os discos recentes de The Weekend ou o som eletrizante de Depeche Mode) e a aura etérea que pode também remeter a Kate Bush em diversos momentos são apenas mais alguns elementos nessa receita viciante e única.
Em um papo descontraído pelo zoom, conversamos com Allie sobre o álbum, o processo da parceria com Frimes e Tolentino — dois talentos brasileiros — e sobre a mente criativa que canta, escreve e produz! Sem ligar a câmera, brincamos sobre a narrativa de “garota sem rosto”, presente no título do álbum, e damos início ao papo. Confira:
Começo perguntando sobre o álbum, “Girl With No Face”, e a música título. De onde surgiu a ideia de nomear o álbum e a canção e um pouco mais sobre o conceito.
“Girl With No Face” foi escrita pelo meu parceiro, George, que é de São Paulo, em 2014. Não haviam palavras (letras) e não tinha esse nome, mas era uma ideia ótima e sempre teve esse baixo. Eu sempre quis que ela fosse uma canção minha, mas sempre que eu tentava colocar alguns sintetizadores ela perdia um pouco da “magia”. Eu tentei colocar ela nos meus álbuns anteriores, mas finalmente dessa vez eu consegui que ela fizesse sentido no contexto do disco que eu estava fazendo. Era 2021 quando eu coloquei as letras e adicionei a parte meio de ópera, com os vocais do final. E foi aí que a música se chamou “Girl With No Face” — mas esse não era o nome do álbum até bem no finalzinho… Eu ia chamar o álbum de “Weird World”, mas em 2023 esse título já não fazia tanto sentido porque o disco já ia além desse mundo distópico que eu pensava no começo, então… Foi aí que eu mudei o nome. Eu acho que é um título apropriado porque eu sempre lidei com questões de identidade no meu trabalho e acho que a ideia de ter uma presença sem rosto junto comigo enquanto eu escrevia o álbum começou a ressoar mais e mais, então… Foi um pouco dessa mistura que me fez chegar ao título.
Depois de saber mais sobre o álbum e seu contexto geral, vou um pouco mais a fundo e pergunto sobre “Black Eye”, música presente no disco e que ganhou um tempero brasileiro com um remix surpreendente com Frimes e Tolentino. Quero saber como isso aconteceu, de onde veio essa junção de artistas e essa mistura deliciosa. Ela responde:
Eu conheci o Tolentino em São Paulo, em 2017, e estávamos conversando depois quando ele se mudou para Londres — ele sempre foi muito gentil me ajudando com conexões na imprensa brasileira e tentando montar algum remix… A Frimes eu conheci por um vídeo ótimo em que ela performava “Off With Her Tits”, então eles me mandaram a música, eu achei que o remix ficou ótimo e eu topei de cara!
Para enriquecer esse papo, pergunto à Tolentino e Frimes a versão deles dessa aventura. Tolentino nos conta:
Eu não tenho mais ideia de quantas noites voltando pra casa no trem ouvindo Allie X eu já vivi (risos). E por isso, é muito especial ter a aprovação dela… saber que estou fazendo algo real e bom aos olhos de quem admiro também.
A gente gravou tudo à distância, só eu e o FUSO!. Estivemos juntos no fim de janeiro… a gente pediu uma pizza e gravamos tudo numa tarde no apartamento onde eu estava morando, em São Paulo. Aí a Allie ouviu, gostou e mandou mais umas camadas da música original pra gente adicionar.
Alguns dias depois, a Frimes devolveu a versão com o verso dela e eu fiquei bobo em ver como ela deu alma pro remix. Tudo pareceu super fácil e divertido, mesmo que à distância. Me sinto muito sortudo de poder brincar com a magia pop com amigos que admiro tanto.
Já Frimes, adicionou ao papo:
Foi uma grande satisfação poder remixar uma música da Allie X, eu sempre fui uma grande fã! O trabalho dela é impecável, a mulher não tem uma música ruim! E fazer parte de uma dessas músicas agora me deixa muito orgulhosa, não só de mim, mas também dos meus amigos Tolentino, Fuso e Matheus (que também trabalharam na faixa). Acho que foi um nosso passo para nossa jornada como músicos, então continuem ouvido, porque é um conquista enorme pra todos nós.
Allie X é uma artista completa, cantando, compondo e produzindo. Voltando ao nosso papo, pergunto a ela sobre o sentimento de ser auto suficiente quanto ao próprio trabalho, de onde veio essa independência e como é pra ela estar no controle de tudo.
É muito bom, e meio que começou há muito tempo… Eu acho que me tornei essa artista por necessidade, para sobreviver, porque as pessoas da indústria nunca acreditaram em mim e na minha visão, então eu precisei fazer tudo eu mesma e levar até a linha de chegada, tive que pagar pelas minhas coisas, fazer meu próprio networking… Então, apesar de ter feito para sobreviver, a esse ponto é bem libertador ser totalmente autossuficiente, e saber que eu não dependo de mais ninguém nessa indústria, porque agora tenho fãs que consomem e apoiam meu trabalho independente dos caminhos que eu decida seguir, e eu sei fazer as coisas que preciso para correr atrás dessa carreira. Às vezes eu queria um assistente e uma ajudinha ou algo assim (risos), mas é ótimo e bem libertador.
E ainda no papo de produções, pergunto se ela tem algum conselho para um fã ou ouvinte/leitor que queira se aventurar no mundo da música e das produções.
Olha, eu tenho muito a dizer sobre isso mas vou tentar ser breve… O primeiro conselho é: aprenda a usar os softwares. Logic, Ableton, Pro Tools, até mesmo o Garageband te ajuda muito… Se dê a habilidade para fazer música sozinho, ou ao menos as suas próprias demos para levar adiante depois… Mas isso é super importante. A segunda coisa é: deixe pra lá a ideia e a narrativa de que a indústria é “exclusiva” ou inacessível. Ela é, de certa forma, e os executivos querem que continue assim, mas não precisa ser. Agora nós temos o streaming, a maioria das pessoas já não consomem tanto as rádios assim, e você pode sim se beneficiar desses meios, mas você também pode juntar um dinheiro e correr atrás das suas próprias coisas, do seu trabalho sem uma gravadora… Fique livre desses c*nalhas, então… Por favor, não fique aí sentado esperando ser descoberto, seja ativo e proativo, e acredite na sua própria visão.
Para finalizar, faço a pergunta que todo fã brasileiro quer saber: E Allie X no Brasil? Tem algum show, festival, evento confirmado ou, quem sabe, uma negociação no ar que podemos ao menos ficar esperançosos sobre?
Bom, não tenho nada confirmado… Sei que tem pessoas aí que querem me ver, mas acho que estou esperando a oferta certa…
Despeço de Allie agradecendo o papo, a disponibilidade e a generosidade nas respostas, elogio o disco e o featuring “brasileiro”. Ela agradece a gentileza nas palavras e meu tempo também, e sai da chamada me deixando encantando por uma garota sem rosto.