Se em ‘A Bússola de Ouro’ – adaptação do primeiro livro da saga ‘His Dark Materials’ para os cinemas (2007) – a história desse universo mágico não conseguiu ser contada com justiça (mesmo tendo Nicole Kidman no elenco), esse feito foi realizado com muito sucesso na primeira temporada da série. A produção agrada os fãs pela coragem de criticar instituições religiosas, questionar valores e os conceitos de bem e mal.
Em His Dark Materials, acompanhamos a história de Lyra (Dafne Keen), uma menina que embarca em uma aventura para salvar seu melhor amigo Roger (Lewin Lloyd) e que no caminho, esbarra com descobertas sobre sua própria identidade e família. Na mitologia criada por Phillip Pullman em seus livros, cada ser humano possui uma manifestação física de sua alma, os chamados daemons (pequenas criaturas que assumem uma forma animal e não se separam de seus donos e nenhum momento sequer), criaturinhas que são parte chave do encantamento da produção.
Na série, o único companheiro constante de Lyra é Pan – seu daemon, que devido a idade da menina, ainda não tem forma definitiva e muda constantemente de aparência, se transformando em vários animais durante os episódios – juntos, eles ajudam um povo marginalizado a encontrar crianças raptadas e a cada momento descobrem mais sobre a vida de Lyra, a estrutura do mundo em que vivem – que é totalmente dominado por valores teológicos e crenças que limitam a ciência e a filosofia – e a possível existência de outros mundos.
Em sua 1ª temporada, a série possui um ritmo semelhante ao de um filme e assim entretém, anima e torna seu próprio consumo mais fácil e prazeroso para o espectador.
Um dos maiores trunfos da produção é sua cadência, embora seus dois episódios iniciais sejam um pouco puxados e até visualmente cansativos (dadas as escolhas de enquadramento), a partir do terceiro, a série ganha um ritmo e um roteiro que a aproxima muito de um bom filme, seus 8 episódios parecem um lindo e fantástico folhetim de aventura. Além disso, seus personagens centrais desabrocham brilhantemente durante a temporada, mostrando fragilidades, medos, insanidades e até questionamentos morais sobre o bem e o mal. Toda a trama nos envolve nessa binariedade de valores e nos faz pensar constantemente sobre o que vale ser feito para alcançar um bem maior, quais caminhos e escolhas são válidos e quem é sacrificado nesse processo.
Personagens repletos de camadas cativantes
Não dá para falar da série sem citar, principalmente, seu elenco feminino: Lyra, vivida por Dafne Keen (Logan), nos entrega uma personagem astuta, inocente, infantil e ao mesmo tempo tão corajosa, machucada e determinada. Outro nome a ser apontado é o de Ruth Wilson (The Affair), que dá vida a Marisa Coulter, uma personagem de tantas camadas: horas forte, perigosa, cruel e amarga; Em outras: arrependida, insegura e humana. Qualidades que facilitam a aproximação do público com ambas.
Talvez, valha dizer que por ter apenas 8 episódios, a 1ª temporada série deixe algumas pontas soltas e nos dê poucas informações em alguns quesitos, mas isso não a torna ruim. Um outro ponto fraco é que dada a importância que os daemons possuem, os bichinhos acabam sendo deixados em segundo plano e aparecem menos do que deveriam durante a trama, talvez pela complexidade e pelo gasto que envolve o uso dos personagens em CGI. Isso dificulta inclusive nosso apego com os pequenos (mesmo sendo fofos) e a demonstração de conexão entre eles e os humanos – exceto, talvez, no caso de Mrs. Coulter e sua relação fria e dominadora com o próprio daemon.
His Dark Materials está longe de ser a melhor ou a pior obra da HBO, mas é promissora, cheia de potencial e trilha um caminho que agrada principalmente os fãs da trilogia literária, que aparentam ter gostado do que tem sido entregue até aqui, completamente diferente da recepção do filme de 2007.
Assista His Dark Materials na HBO GO.