Cabelos castanhos cacheados, roupas pretas e batom roxo: essa é a Lorde de 17 anos que encontramos ao personificar Pure Heroine, seu primeiro álbum de estúdio. Apesar da pouca idade, a adolescente conseguiu provar seu talento para o mundo com letras maduras e complexas, sem abandonar as batidas inconfundíveis de seu estilo. O universo adolescente é quase sempre visto e retratado como fútil e infantil, raramente levado a sério, mas Lorde conseguiu iluminar esse mundo e revelar as angústias e sentimentos profundos da adolescência, explorando temas como pertencimento, a importância das amizades, o medo e a ânsia pela vida adulta, e o tédio. Uma das sacadas geniais em suas letras é como ela transforma o tédio adolescente no maior combustível para a euforia criativa, um tédio fundamental para o amadurecimento. Foi dessa energia juvenil, dessas risadas até doer as costelas, que nasceu seu icônico hit “Royals”.
Como falar de Lorde sem mencionar “Royals”? Uma música que ainda escutamos nas rádios como se fosse nova, encapsulando a essência de 2013 com uma crítica à cultura do materialismo sob o olhar aguçado de uma adolescente, mostrando o abismo entre a vida real e a ostentação de riqueza das celebridades.
Quatro anos depois, os cachos deram lugar aos fios alisados, o batom roxo derreteu, e Lorde ressurgiu após um hiato significativo. Em 2017, ela se deparou com uma nova realidade: as amizades já não eram tão mágicas, e crescer era mesmo assustador. A vida adulta trouxe inseguranças, decepções amorosas e um encontro cru com sua versão ainda mais vulnerável. Melodrama chegou intenso como uma paixão. “Fluorescente” — existe uma descrição melhor para o primeiro amor? Quando Lorde canta essa palavra para o vazio do coração em “Supercut,” perto do final de seu segundo e brilhante álbum Melodrama, compartilhamos um pouco de sua famosa sinestesia: sentimos o brilho intenso e elétrico das possibilidades em nossos rostos. Esse neon, no entanto, é bonito demais para durar, seu brilho exige uma química esforçada. Mas, quando ele se apaga, o restante não precisa parecer pálido.
O mesmo vale para a adolescência, uma fase que Ella (Lorde), aos 20 anos, encerra graciosamente neste álbum. As dores do crescimento parecem eternas; se é horrível ser uma adolescente que não é levada a sério, é ainda mais desafiador ser uma jovem adulta sem saber como lidar com uma autonomia que parece ameaçadora. Melodrama é o estudo de Lorde sobre ser jovem e estar encontrando sua própria voz em meio a circunstâncias instáveis. O romance é apenas parte do álbum, que também trata de autoconhecimento e o valor da solitude. A verdadeira recompensa de Lorde surge quando ela chega em casa e aceita dançar sozinha.
Após mais um hiato de quatro anos, como um raro evento cósmico, Lorde retorna ao estúdio. Agora, os cabelos são loiros, as roupas claras, e seu sorriso, leve. Ela lança um álbum consciente e mais contido, um respiro de beleza holística e reflexões sobre o mundo natural que nutrem o coração inquieto da artista. Hoje em dia, você precisa quase “agir como bobo” para ser feliz: não ler as notícias, não checar as redes sociais, não olhar para o número de mortos, os incêndios, o clima. Como se afastar do mundo sem cair na negação? Talvez se afastando, recarregando. Nova Zelândia parece um bom lugar, acredito que o ar é mais limpo. Lorde esteve por lá em 2021, quando praticamente desapareceu da vida pública.
Ela fez um detox digital, abandonou as redes sociais e diminuiu o brilho da tela do celular para tons de cinza. Então, ela criou Solar Power, um álbum consciente e sereno, que convida a “respirar fundo e se conectar” como um estranho texto espiritual em uma livraria hippie. Parte consciência social e ambiental, parte guia de autoajuda, o álbum é sua justificativa para escolher uma vida mais tranquila e se reconectar com a natureza. Sua mensagem é, literalmente, leve. Solar Power captura o mistério e a clareza da nossa relação com o planeta. Há um momento no álbum que realmente cristaliza isso: em “Oceanic Feeling,” ao final, Lorde divaga sobre um penhasco à beira-mar, refletindo sobre familiares, sua futura filha e seu “eu” passado. A música se desfaz em murmúrios, e com uma voz suave, ela evoca uma fogueira na praia, ponderando sobre uma autoimolação metafórica. A implicação é que Lorde não quer fazer isso para sempre; que a verdadeira felicidade estará sempre à frente, como uma sombra azul profunda sobre o oceano.
É essa essência que sempre torna Lorde tão especial em todos os seus projetos, desde o início sua abordagem é refrescante e há a identificação que oferece acolhimento para toda uma geração. Sem medo de ser humana, acessível e vulnerável, Lorde é divina na sua habilidade com as palavras. Sua habilidade de transformar sentimentos íntimos em narrativas universais é o que a torna única, e é nessa entrega autêntica que reside sua verdadeira força como artista.