Manhattan, cinco pontes e uma memória eterna: PJ Harvey e os 25 anos de “Stories From the City, Stories From the Sea”

No meio do caos urbano, PJ Harvey capturou um instante que ecoa há mais de uma década
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São uma da manhã, Brooklyn, fim dos anos 90. Polly está num terraço com um homem (provavelmente apaixonada ou achando que está). Ela olha para Manhattan como quem está no primeiro dia da vida. Vê cinco pontes, o Empire State, e ele diz uma coisa que ela nunca esqueceu. Uma frase só. Não importa qual. O que importa é que virou música.

Stories From the City, Stories From the Sea é isso: um delírio urbano com fundo amoroso e letra de quem estava, pela primeira vez, olhando para o mundo com lentes cor-de-rosa. Polly, nossa querida PJ Harvey, que já tinha discos bem dark e cheios de carne viva, resolveu que agora queria beleza. Não ironia, não cinismo. Beleza.

E beleza, pra ela, virou refrão. Guitarra alta. Rock de arena, aqueles que os intelectuais de música não admitem que gostam, mas sabem cantar até o fim. PJ queria fazer um disco que voasse, que tivesse camadas, reverberação, céu. E fez. O mais estranho é que foi em Nova York. Aquela Nova York que cheira a pretzel velho e ideia nova. Aquela Nova York onde tudo parece possível, inclusive uma inglesa criada em Dorset parecer uma hipster de Manhattan na capa do disco. Óculos escuros, bolsa no ombro, salto e pose. 

A verdade é que ela estava em uma nova fase: bem o suficiente pra querer cantar sem gritar, apaixonada o suficiente pra escrever leve. E também exausta. Os dois discos anteriores, To Bring You My Love (1995) e Is This Desire? (1998), tinham sugado tudo. Mente, corpo, psique. Em Desire?, especialmente, tudo era caco. Vinha de um fim de relação, e amigos chegaram a sugerir que ela fizesse terapia. E pelo visto, fez. Foi então que Polly foi filmar um filme indie qualquer (ninguém lembra qual) e passou um tempo em Nova York. E algo acendeu. Voltou depois para ficar mais. Escreveu parte das músicas ali. Outras em Dorset mesmo. Outras na Califórnia, acampando, como quem foge da própria biografia. 

Então ela decidiu: o próximo disco seria o contrário. Não teria o cheiro do fundo do poço, teria o gosto do topo do prédio com vista para o East River. E aí, de uma união não tão estável entre a cidade e o oceano, o disco nasceu.

Gravado perto de Milton Keynes. Com Rob Ellis e Mick Harvey, de novo. Mas agora diferente. Sem estranheza, sem sons “de dar náusea” (palavras dela). Ela queria que tudo soasse como amor de verdade. Como um filme de final feliz, e sem vergonha disso. Queria brilho. E conseguiu.

“Good Fortune”, “You Said Something”, “This Is Love”. Tudo vibrante, quente, sem culpa. E, como se não bastasse, trouxe Thom Yorke pra cantar com ela. Aquela voz meio fantasma dele, meio anjo de ressaca, encaixando com a dela em “This Mess We’re In” como se os dois tivessem se conhecido em outro planeta. Ele canta “Day and night I dream of making love to you now, baby” e a gente ri, porque nunca imaginaríamos Thom Yorke dizendo isso. Mas ele diz. E funciona muito.

Claro, nem tudo é raio de sol. O disco abre com “Big Exit”, uma música que já chega pedindo uma arma. “Estou com medo, amor. Quero fugir.” Essa é a Polly que ainda sente medo, mesmo em Nova York, mesmo apaixonada. Em “Horses In My Dreams” ela volta pro sussurro, pro arranhado. Mas no geral, o disco dança.

E dançou até ganhar o Mercury Prize de 2001. Foi a primeira mulher solo a levar. Ganhou dois Grammys. Vendeu um milhão de cópias. E sabe o que Polly fez? Seguiu em frente. Porque uma das coisas mais encantadoras nela é isso: ela não repete fórmula. Fez pop porque quis, não porque precisava. Fez hits porque queria, não porque esperava algo em troca.

Em 2008, quando perguntaram sobre o disco, ela disse: “Só estava tentando escrever várias canções pop perfeitas”. Conseguiu, e não ficou parada pra comemorar. Mas a gente pode. E deve.

89/100

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