Crítica | Medida Provisória é um futuro não tão distante e uma realidade não tão distópica

Em Medida Provisória, Lázaro Ramos coloca empenho em representar com arte uma realidade não tão distante em tempos difíceis.

Brasil, um futuro não tão distante e uma realidade quase não tão distópica. É assim que Medida Provisória se marca no tempo. Sob um governo ditatorial disfarçado e apoiado por elitismo popular, é decretada uma medida provisória ordenando que todo cidadão negro brasileiro seja deportado imediatamente para o continente africano.

A ideia soa absurda, e é. E nos tons iniciais de comédia e incredulidade, um cenário preocupante toma o lugar na narrativa que escancara com a maquiagem da ficção uma realidade cruel, injusta e que já tem suas raízes no nosso cotidiano: o racismo e a intolerância. 

Imagens: Lázaro Ramos

Marcando a estreia de Lázaro Ramos na direção de um longa, o filme representa não apenas todo o cenário sócio-político sugerido na sinopse, mas vai além com as declarações recentes de Lázaro, que afirma ter assinado com a Amazon Prime por estar cansado de “pedir” permissão para estar envolvido em mais trabalhos com representação, tanto nas narrativas quanto nos bastidores das produções.

Aqui o desejo de Lázaro se realiza: em uma produção repleta de artistas pretos, a trilha sonora (que tem Rincon Sapiência e Kiko de Souza na curadoria) também evoca a excelência de vozes pretas, como Liniker, Baco Exu do Blues, Xênia França, Cartola e Elza Soares.

A direção de Lázaro acerta em criar momentos de tensão e diálogos memoráveis, trazendo reflexões muito estampadas da naturalização do absurdo. “Como a gente deixou chegar a esse ponto? Como é que a gente riu disso?”. O filme é menos divertido para quem está acordado, de fato. Mas não é menos importante por isso.

O elenco conta com nomes já consagrados no audiovisual brasileiro, como Thaís Araújo, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Seu Jorge e Mariana Xavier. Outra escolha que chama atenção é de Alfredo Enoch, o ator anglo-brasileiro que ficou conhecido em produções internacionais como a saga Harry Potter e a série How To Get Away With Murder. 

O desempenho do elenco é exatamente o que se espera deles: excelente. No entanto, por questões de roteiro grande parte dos personagens não tem um desenvolvimento muito profundo/satisfatório – o que é compreensivo quando se pensa na complexidade da trama, mas pode chatear quando se tem um elenco tão excelente em cena. Queremos ver mais, saber mais desses personagens, amar mais uns e detestar mais outros.

Isso nos leva a outro ponto: que talvez o filme funcionasse com mais profundidade se fosse uma minissérie. Com um enredo poderoso, transformado em roteiro após uma adaptação da peça “Namíbia, Não!” de Aldri Anunciação (que inclusive faz uma participação no filme ao lado de Emicida), há muito a desenvolver e tal profundidade talvez fosse melhor contemplada com mais tempo de desenvolvimento.

Mesmo assim, “Medida Provisória” é um filme importantíssimo para o cinema nacional em centenas de aspectos: desde as brigas com a Ancine para a liberação (tardia) para o lançamento do filme, até pela representação social e técnica da narrativa. 

Torna-se louvável os esforços de todos envolvidos na produção para desenvolver e circular com um filme tão político e representativo em tempos tão complicados. Ele reforça a importância da arte como expressão e resistência, e ainda trouxe para o Brasil prêmios internacionais que comprovam a potência em se manter na luta e fazê-lo com arte mesmo contra a corrente.

“Medida Provisória” chega aos cinemas dia 14 de abril.

Nota: 84/100

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