Crítica | Meu Pai aborda faces trocadas e um labirinto mental

“Meu Pai” mostra Anthony Hopkins em sua melhor atuação em um longa que exemplifica uma aula de edição com uma história solitária.

Induzir o telespectador a permanecer atento em uma história que está sendo contada em um filme de terror, por exemplo, temos como fator mais importante, o jeito como o fio condutor vai ser desmanchado. Nesse gênero, se usa artifícios e fórmulas que já são corriqueiras do tema, como os jump scares, e aqui, até a música tem a poderosa função de nos fazer imergir a necessária atmosfera de medo.

Para um filme de drama ou qualquer outro, prender a atenção é crucial e definitivo para as recepções, e isso não acontece do mesmo jeito que em um longa de terror, é claro. O artifício mais crucial em uma trama que relata os vários problemas das pessoas para com a vida é a narrativa. E “Meu Pai”, que é puro drama, faz isso parecer óbvio: que contar uma boa ideia é o básico para manter qualquer um hipnotizado até o último momento de uma obra.

Contar os detalhes do longa é praticamente revelar toda a história em si, mas basicamente em pouco menos de uma hora e quarenta minutos, conhecemos Anthony (Anthony Hopkins), apaixonado por música clássica e que vive em um apartamento sob os cuidados de sua filha, Anne (Olivia Colman), que recomenda a todo instante que ele aceite receber ajuda de uma enfermeira para viver. Isso até aconteceu, mas o próprio Anthony alega com toda certeza que a cuidadora anterior, chegou a roubá-lo.

A partir desse ponto, a gente tem uma batalha em fazer com o que protagonista entenda como ele se encontra hoje e como ele viverá já que Anne “aparentemente” vai morar em Paris. E esse contexto simples, é o suficiente para entregar uma obra que faz um imenso passeio dentro de um labirinto que explora os obstáculos da mente perante a idade.

Faces trocadas e Anthony

E essa viajem tempestuosa que comove e não é puramente melodramática por dentro do labirinto da cabeça de Anthony, apresenta faces trocadas e palavras não ditas, resumindo tudo em uma confusão, muito bem montada para quem assiste, mas para quem vive, não.

Ver toda essa retratação pelo lado de fora é compreender uma boa direção, edição, uso de roteiro, atuações e todas as técnicas que fazem do filme ser uma produção engenhosa e sem peças soltas. Peças essas que desempenham a função de confundir retratando um jogo inconclusivo (não até o fim) e capaz de nos fazer criar teorias; se você previa que a situação era algo no começo, isso pode mudar; e com o tempo, passamos a entender que o que define tudo é a linha de raciocínio de Anthony.

E todos do elenco sabem como exercer papéis funcionais e importantes que requerem dilacerações, devido a incansável mudança que a cabeça do protagonista prega. Olivia Colman entrega com os olhos uma perfomance que se mostra compreensível a toda a situação. É mágico poder sentir a atriz em um dos seus melhores momentos em um papel que é extremamente contido.

Mas é Anthony Hopkins que maneja ferozmente os mais complexos sentimentos do protagonista de maneira quase palpável. É como se ele escolhesse como o personagem Anthony deve agir, e não o contrário. Isso encarna em todo o enredo uma cativação espontânea e tocante, fazendo que os minutos a seguir se tornem uma jornada muito bem condensada, completa e solitária. Levando tudo a um ponto: o de nos fazer entender que os fatos apresentados de maneira engenhosa são sobre uma vida que perdura décadas e precisa da mais importante atenção.

E essa necessidade não só pode ser oferecido para o próximo como deve ser obrigatória, diante da ideia de que o tempo não cuida, mas sim destrói e muda, e a gente que tem que se adaptar a ele. Tudo passa e se muta, assim como as folhas de uma árvore.

Um labirinto

Então, os fatores apresentados ao redor se mixam constantemente com as atuações, já que por termos basicamente o tempo todo, rostos invertidos e informações distorcidas que alegam com maestria o quão uma doença pode ser cruel, a situação de Anthony precisa fazer sentido, ao menos, para nós.

E ao mergulharmos nesse labirinto de informações, somos transportados para uma dimensão contemplativa sobre a tortuosa situação de Anthony, que tenta a todo tempo se encaixar em um quebra-cabeça que lhe foi designado sem intenções de ser montado; que dita com todas as ações vistas, uma produção sobre uma jornada rochosa e que amplia o sentido da vida.

E isso é posto em tela de maneira exemplar pela edição durante todo longa (que usa todas as ferramentes possíveis para se transmutar). Mas é o terceiro ato inteiro e os minutos finais (quiçá um dos melhores dos últimos anos) que confirma com a cruel conclusão, as merecidas 6 indicações ao Oscar 2021.

“Meu Pai” merece infinita atenção na premiação máxima de cinema, porém, devido aos outros concorrentes dessa temporada, infelizmente deve ficar de lado. Mas para quem busca uma concepção precisa e muito bem executada sobre um tema sensível, é importante colocá-lo na sua lista. Pode ser pra ver hoje, amanhã ou mês que vem, o importante é prestigiar esse discurso essencial.

Assista “Meu Pai” alugando no Google Play, NOW ou Apple TV.

Nota do autor: 95/100

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