Miley Cyrus renasce no cinematográfico e ambicioso “Something Beautiful” 

Novo disco de Miley Cyrus se destaca por produção grandiosa e atmosfera etérea inspirada em Pink Floyd

Desde o início de sua carreira, Miley Cyrus nunca fez questão de ser uma coisa só. Transitando entre a peruca loira de Hannah Montana e a construção de uma sonoridade própria, a ex-Disney já foi ao extremo do experimentalismo (para os padrões que se espera de uma artista pop) com um álbum independente em 2015, retornou com um disco de country e, no ano passado, celebrou no palco do Grammy as conquistas de sua fase mais comercial.

Embora o reconhecimento tardio por parte da Academia pareça ter encorajado Cyrus a ir ainda mais longe, a cantora não se prendeu aos moldes tradicionais que impulsionam um projeto para o sucesso mainstream. Demonstrando certa subversão à cultura do streaming, seu nono disco chega carregado de faixas longas — a maioria ultrapassa quatro minutos de duração. Desta vez, Miley não está preocupada em ter o disco mais consumido no mundo, se isso significa abrir mão de sua artisticidade. Aqui, o que importa é sua autenticidade – e isso ela tem de sobra. 

Something Beautiful, como a artista sugere na faixa-prelúdio, funciona como uma caminhada em um sonho noturno e lúcido. Inspirado no icônico The Wall (1979) de Pink Floyd, a energia cinematográfica se une a produções grandiosas, as melhores do catálogo de Miley Cyrus, e criam uma atmosfera que leva o ouvinte a uma viagem sensorial de 50 minutos. 

O disco se inicia de forma morna e contida com a faixa título e “More To Lose”. As baladas misturam elementos do rock progressivo com R&B de forma deliciosa, mas estão longe de representar a grandeza do projeto. Já o destaque imediato, “End of the World, transborda honestidade em uma carta apocalíptica embalada por um pop glamouroso dedicado à sua mãe. O refrão, inspirado no arena rock, conceito popularizado nos anos 1970, carrega uma melancolia celebrativa capaz de encher os olhos d’água e, ao mesmo tempo, fazer você correr para abraçar quem ama. Se o mundo acabasse hoje, Miley só queria estar ao lado da mãe.

As duas interludes presentes na tracklist são experimentos instrumentais prazerosos, mas que não chegam a lugar nenhum, funcionando apenas como um caminho dispensável para as faixas seguintes. 

Conforme avança, o disco ganha força, e as faixas crescem em uma produção que, por pouco, não engole a vocalista. É raro que Miley Cyrus ocupe um segundo plano em qualquer projeto que leve seu nome, mas o trabalho do time de produtores na segunda metade de Something Beautiful é tão arrebatador que seus vocais acabam surgindo quase como complemento de um instrumental grandioso e, ao mesmo tempo, refinado. Exemplo dessa grandiosidade é “Walk of Fame”, faixa ambiciosa que soa como se “Liberty Walk” do disco Can’t Be Tamed (2010) tivesse usado anabolizantes. Junto aos vocais de Brittany Howard do Alabama Shakes, Miley aborda a perseguição midiática que sempre sofreu e a vontade de se afastar do estrelato. 

Nos versos finais da melhor faixa do álbum, a artista parece traçar um paralelo entre fama e imortalidade, referenciando, de forma consciente ou não, ícones da música que perderam a vida precocemente em decorrência das pressões do estrelato: “Você vai viver para sempre / Em nossos corações e mentes / Uma imagem que não envelhece / Um sorriso atemporal / Nós usaremos em nossas camisetas”. 

Embora construa uma sequência de ótimas faixas com “Pretend You’re God” e “Every Girl You’ve Ever Loved”, o projeto encerra do mesmo jeito que começa: morno. “Give Me Love” não consegue manter o padrão das músicas anteriores e finaliza a narrativa de maneira discreta. Se a faixa fosse dispensada, o disco terminaria de modo glorioso com “Reborn”, um hino de renovação que tem tudo para se tornar indispensável em uma lista de possíveis singles.

Something Beautiful é o renascimento e a culminação de todas as facetas que Miley já experimentou, onde passado e futuro se encontram no presente e se tornam um só.

Ainda que tenha se aventurado por inúmeras sonoridades e estilos diferentes, Miley Cyrus parece ter encontrado a fórmula ideal em um projeto que consolida seu status de ícone. Para o público geral, essa mudança constante de “personalidade” pode soar confusa ou forçada, mas para quem acompanha sua trajetória de perto, o novo disco é um prato cheio do melhor que a cantora tem a oferecer.

83/100

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