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Crítica | 10 anos do “Bionic” da Christina Aguilera

Depois de um trabalho aclamado, só restava a Christina Aguilera experimentar novos rumos para a sua voz.

Acompanhar música pop em 2010 foi uma época muito agitada. Logo no primeiro mês do ano tínhamos Kesha dominando com ‘Tik Tok’ e lançando seu primeiro álbum, Lady Gaga e Beyoncé em uma das parcerias mais históricas até hoje com ‘Telephone’, Rihanna e seu ‘Rude Boy’, e um tempo depois teríamos Katy Perry começando sua dominação mundial com ‘Teenage Dream’. Era difícil acompanhar tantos hits em tão pouco tempo. Muita coisa passava despercebida, assim como muitos álbuns. Foi também neste ano que Christina Aguilera lançou dois em um intervalo de cinco meses. Se prestar atenção em um único disco de cada artista era complicado, imagine em dois projetos… principalmente quando um deles era também de cinema, como o caso da trilha sonora do filme Burlesque, em que a cantora também atuava como protagonista. 

A espera por um novo disco de inéditas durou quatro anos, e a ansiedade após o elogiado ‘Back To Basics’ era gigante, principalmente porque era impossível prever qual sonoridade do pop viria a seguir. O tipo de experimento em forma de homenagem que foi o álbum duplo de 2006, rendeu muita aclamação a cantora e alguns bons prêmios, mas não era novidade que Aguilera sempre manteve seu leque muito aberto no que diz respeito a sair um pouco da casinha do pop comum. Entre os dois projetos ela foi esperta em lançar uma compilação de hits com duas canções inéditas, deixando assim as pessoas cada vez mais curiosas sobre sua nova aventura musical. Mas o foco aqui não é esse, e sim o que veio em 4 de junho de 2010 – o (injustiçado?) álbum Bionic.

Depois de um trabalho aclamado, só restava a Christina Aguilera experimentar novos rumos para a sua voz.

O começo de uma nova década podia render simbolismos no que diz respeito a criar música, se o ano foi influência no trabalho não sabemos, mas em 2010 o futuro era um dos assuntos mais comentados. Segundo a própria, era o momento de trabalhar com a temática, de uma forma que sua voz fosse a maior cobaia do experimento. Em entrevista para a revista Billboard na época, ela disse:

O meu último álbum (Back To Basics) haviam músicas inspiradas em outras décadas, com gênero e som focados em algo específico. Mas com este novo eu quero ir para uma direção completamente oposta, futurista, robótica e vocais computadorizados. Estou experimentando com minha voz de formas que nunca fiz antes. Eu sempre me inspiro em coisas novas porque eu fico entediada.

Brincar com várias vertentes do pop não era algo comum para Aguilera, o álbum de 2002, ‘Stripped’ tem várias influências de diferentes gêneros. Prova disso são os singles ‘Can’t Hold Us Down’, ‘Dirrty’ e ‘Fighter’, três músicas completamente diferentes… Mas que mantinham o tema da liberdade feminina em comum. Algo que Christina Aguilera sempre cantou sobre, e faria novamente no Bionic. Falar sobre tal tema não era uma grande quebra de tabus na época, mas também não era visto com a facilidade de agora. Isso somado a fama (verdadeira ou não, mas que sempre era assunto) de ser uma diva, que sempre deixavam a cantora a mercê de críticas baseadas em julgamento sobre o quanto ela deveria ousar com a carreira, voz e o próprio corpo. 

Christina nunca foi uma mulher que abaixava a cabeça para essas críticas, e o tom agressivo poderia ser rebatido da mesma forma. E como para a sociedade ainda é difícil entender uma mulher forte, na maioria das vezes por expor uma opinião que soasse como acidez ou mal-humor, a artista acabava sendo pintada de tal forma durante um bom tempo.

Decisões óbvias da gravadora impediram que o conceito de Bionic fosse introduzido logo de cara, o que pode ter deixado o álbum confuso.

Assim como em 2002 com ‘Dirrty’, a estratégia de chocar de cara foi executada com ‘Not Myself Tonight’, o primeiro single do projeto. Mas não era algo gratuito, a forma de arrancar o band-aid de uma vez era muito esperta. Se a primeira coisa do novo trabalho já determinar o quanto ela pode usar o empoderamento mental e físico, fica mais fácil para as pessoas absorverem tudo que ela vai mostrar em seguida. Mas claramente a música (e o vídeo) tinham um problema: influência da gravadora. O single foi produzido por Polow Da Don, o único produtor não escolhido por Aguilera para trabalhar no disco, e basta uma primeira ouvida para perceber que, tirando o fato da letra da canção tocar no tema da liberdade da cantora em fazer o que quiser, não existe qualquer ligação com a temática do álbum.

A música ainda tem muito carinho dos fãs, mas é impossível não perceber o quanto essa escolha foi destoante do conceito que iríamos conhecer (uma pena).A aplicação de como a sonoridade seria acertou na escolha de dois produtores: Switch e Tricky. Ambos são responsáveis por menos de 10 músicas entre as 20 da edição deluxe (não contando intros). E são elas que ditam a real qualidade do disco. A opção de sempre trazer algo que não aponta para uma direção exata pode salvar e derrubar um trabalho ao mesmo tempo. A polarização entre baladas e faixas animadas não chega a ser um grande problema, mas a quantidade de faixas deixa essa divisão arrastada, e é difícil dar play e ouvir com atenção do começo ao fim quando as sequências dificultam para que o tema seja devidamente explorado.

Isso o transforma em um produto que funciona muito melhor em modo aleatório. Provando que a dupla de produtores citada é a melhor coisa do projeto, é deles a melhor canção: Elastic Love… que também tem mãos de M.I.A., claramente a maior influência no seu som. Essa prova de sonoridade também é ouvida em Prima Donna e Bobblehead, duas que também saíram da cabeça da dupla.

Tantas faixas deixam o disco cansativo, mas era assim que Aguilera teria mais chances de adaptar o que realmente queria mostrar.

Se formos julgar como um todo, é óbvio que a faixa de abertura, Bionic, é a melhor referência de como o trabalho deveria ser do começo ao fim. Tudo na canção é a definição do conceito desta era, e a cantora sabia disso – tanto que a divulgou até em premiações. Mas como dito anteriormente, analisar apenas os desejos de Christina Aguilera em incluir seus experimentos e artistas que ela sempre foi fã, como Peaches, Ladytron e Le Tigre não é o que uma gravadora como a RCA faria a troco de nada. A má escolha de singles que iam contra a maré do tema proposto foi uma das coisas que fez com que o álbum não tivesse a atenção devida na sua época.

Woohoo’, a parceria divertida com Nicki Minaj não teve qualquer tipo de aproveitamento, em uma oportunidade perfeita, que era o começo da rapper como uma das maiores artistas do momento. Dava pra sentir que o que faltou foi apenas um investimento somado a um bom corte na música (seus mais de 5 minutos originais são uma decisão bizarra e desnecessária comercialmente falando) e um videoclipe. A outra música que ganhou isso foi ‘You Lost Me’, a balada que soa como uma prima de 2º grau de ‘The Voice Within’ não faz feio, mas não inventa a roda. Um ponto positivo foi a visão de Aguilera sobre o trabalho de qualidade de Sia, que já era uma contribuinte nos trabalhos da cantora desde a época que não era conhecida do grande público.

Quando a dúvida é se Bionic foi um álbum ‘injustiçado’ é preciso se atentar a que tipo de injustiça isso quer dizer. O disco é competente e as pessoas não tiveram o devido interesse? Por ser um trabalho um pouco fora da curva, ele foi ignorado? As críticas da época em relação a possíveis semelhanças com Lady Gaga e Madonna tiveram peso na falta de sucesso? Analisando o projeto de forma separada ele segue tendo os mesmos erros e acertos que Christina Aguilera sempre apresentou. O excesso de faixas e baladas muito iguais, a falta de foco em um estilo único (ao mesmo tempo que isso também pode ser um acerto), intros cansativas… A diferença é que aqui ela tentou ousar o máximo permitido, mostrando que sua musicalidade não está restrita a alcançar notas.

Aguilera mostrou que também tem personalidade e estilo quando quer adaptar isso na sua carreira. Mesmo que hoje em dia isso pode ser o mínimo que alguns esperam, em 2010 já significava muita coisa. Sair de ‘Back To Basics’ e mudar completamente é a prova da coragem da cantora, e esse é o seu maior acerto. Dentro da bolha do pop era difícil ver alguém tentando passar uma nova vertente em meio ao turbilhão de coisas acontecendo na música naquele ano, e isso foi feito aqui de forma coesa. O álbum não é o melhor da cantora, e nunca teve a pretensão disso. Ele é a sua maior prova de que muitos artistas tem ideias, mas poucos ousam em realmente tentar executá-las. 

76/100

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