Desde que se tornou popular, o K-Pop apresentou uma nova vertente para fans de música pop. Mas o que acontece quando ele tem prazo de validade?
Em 2007 havia uma música que bombava entre quem ouvia K-Pop… O sample de ‘Für Elise’ de Beethoven, um videoclipe com cenas inspiradas em Final Fantasy (o que mais tarde causaria um processo judicial) e uma boa coreografia ajudaram ‘Sonata of Temptation’, da cantora IVY a ser presença garantida nos aparelhos de mp3 de quem participava de discussões em comunidades de música asiática no finado Orkut.
Se mergulharmos um pouco mais fundo na memória, é possível lembrar que um dos grandes primeiros virais do youtube também tinha origem sul-coreana. Um vídeo de duas garotas dublando a música ‘Emotion‘ da cantora Yoo Chae-yeong existe na plataforma até hoje, desde o seu upload em 2004. O que significa que o fator viral, algo muito forte no mercado fonográfico, sempre foi um trunfo para eles.
A competência dos artistas de K-Pop é inquestionável, mas isso se deve a anos de treinamento e preparação por parte das gravadoras.
As duas músicas citadas dificilmente estariam em playlists dos apreciadores de música coreana hoje em dia. Pelo simples motivo de que a indústria musical deles sempre parece estar a um passo de eruptir, dada a quantidade de artistas e produtos novos a serem apreciados. O que leva ao esquecimento de canções que eram grandes no passado.
A palavra produto pode parecer um termo pesado na música, ela quase sempre está associada a fabricação de artistas. O termo artista fabricado é altamente pejorativo, pois remete a alguém que está lá apenas como um receptáculo – pronto para ser abastecido com o que empresários e gravadoras estiverem dispostos a utilizar como combustível.
Dito isso, este termo pode ser aplicado de uma forma bem vista quando falamos desses artistas. A perfeição de movimentos nas coreografias, o talento para aprender diversas línguas, cantar e fazer rap(…) tudo isso é atrelado aos famosos anos de treinamento que um trainee do K-Pop passa antes de debutar oficialmente.
Vídeo publicado pelo canal da YG Entertainment mostra Lisa do grupo BLACKPINK em sua época de trainee
O público consumidor é majoritariamente composto por pessoas jovens e adolescentes. Em muitos momentos o descobrimento desse tipo de música foi algo recente, e através da internet. Se uma análise for feita em relação a isso, é possível avaliar o fato da tecnologia estar cada vez mais presente na vida de pessoas tão novas nos dias atuais, o que torna consequente a facilidade em conhecer algum artista pelo YouTube.
Apesar de as plataformas sempre estarem ali, no passado essas descobertas não aconteciam de forma tão explícita. A acessibilidade não era a mesma, não existia o fomo musical, quase ninguém ouvia músicas coreanas(…), então sempre faltava um empurrão externo.
Na época que a música de IVY era o vício de muitos, o K-Pop quase não tinha espaço… quem dominava era o J-Pop. A música japonesa sempre correu por uma estrada à parte, uma das causas disso era o famoso evento Anime Friends, somado ao próprio sucesso de animes e mangás. Era isso que fazia o nome da música asiática ser conhecido por aqui.
A influência da música japonesa pode ter sido umas das entradas para o sucesso do pop coreano.
Foi a partir da música japonesa que muitos conheciam o K-Pop nos anos 2000. Talvez essa visão foi a mesma que artistas de lá tiveram na época, por que não expandir o sucesso cantando em japonês?. Devido a falta de acessibilidade citada do passado, restavam apenas os fóruns de internet para consumir e encontrar semelhantes afim de discutir sobre artistas e músicas.
É muito fácil lembrar quem tinha o status de ser O artista/grupo em outros tempos. BoA, Wonder Girls, TVXQ, 2NE1, Girls’ Generation ou BIGBANG durante algum momento foram o que BTS e BLACKPINK são hoje, tanto na Coréia quanto no Brasil. As proporções deste sucesso obviamente não eram as mesmas, em razão do estilo não ter em nada a força que tem atualmente.
Falando mais especificadamente sobre alguns artistas citados: Entre o intervalo de retorno para o aguardado quinto álbum coreano, a cantora BoA lançou 4 álbuns em japonês. E essa espera para os fans era relativa as cobranças que fazem com Rihanna hoje em dia, com o tão sonhado ‘R9’. Isso era o quanto a artista tinha força 10 anos atrás.
Hoje em dia, quando BoA retorna com algum trabalho, não faz mais o barulho que causava. E é claro que ela mesma tem a noção disso. O sucesso era tanto na comunidade brasileira, que o movimento para falar sobre seus lançamentos se concentrava em um fórum de discussão que era referencia na época, o já descontinuado BoABrasil (que mais tarde viria a se tornar AyuBrasil – em referencia a cantora japonesa Ayumi Hamasaki).
Outro exemplo é o grupo TVXQ. Que passou por uma grande reviravolta entre 2009 e 2010 quando anunciaram a separação, o que resultou na criação de um trio formado pelo membros que tiveram divergências com a gravadora. Na época, essa noticia foi uma bomba não só para os fans, mas para todos que acompanhavam música coreana. É impossível imaginar qual seria o impacto caso algo desse tipo acontecesse com o BTS. O TVXQ, que teve seu tempo de auge, hoje em dia não consegue em 1 ano o total de visualizações que um vídeo clipe do BTS consegue em 1 mês.
E em 2011 o K-Pop já começava a viralizar, a música do momento era ‘I AM THE BEST’ do grupo 2NE1. E se alguém previsse naquela época que o grupo hoje em dia nem existiria mais, seria considerado louco. Talvez a mesma coisa aconteça se alguém se quer sugerir que o BLACKPINK pode amargar do mesmo destino em 5 anos.
A questão discutida é: O K-Pop sempre tem um lugar fixo no sucesso, mas este lugar é sempre substituível.
Atualmente quando entramos no twitter é raro um dos assuntos do momento não ser algo relacionado a K-Pop. Entre #s de feliz aniversário, divulgação de novos singles, reclamações do fandom e até desejos de melhoras (mesmo quando o artista tem uma simples gripe). Para quem acompanha cultura pop é difícil não possuir alguma noção de algo sobre K-Pop.
E é ai que a erupção acontece, a quantidade de artistas acaba se tornando um ouroboros dentro de sua própria industria. A visão do público geral é uma bolha, não cabe saber sobre todos que fazem algum sucesso entre os que ouvem a música, justamente pelo excesso de informação que esse conhecimento trás.
Ter o artista do momento na música coreana sempre foi algo recorrente, mas ver algo que era tão grande no passado não ter a mesma força, ainda é um pouco chocante. O K-Pop antigo era exatamente o que o K-Pop de agora é, mas o boom atual da música é o que estabelece a sua força mundialmente.
O que resta é saber se isso tende a limitar o grande sucesso para poucos ou abrir de vez o leque para todos. Porque o K-Pop de hoje, aquele que em minutos sobe #s para o topo do twitter ou que consegue 10 milhões de visualizações em algumas horas… pode ser o antigo K-Pop de amanhã.