Tradução da matéria oficial publicada no site da Nylon Magazine e escrita por Maria Sherman.
A maior estrela pop do brasil é uma supernova multirracial, multilíngue e multigênero, amada por todos, de Mariah Carey até Madonna. Em breve você vai amá-la também.
Talvez você não saiba, mas há poucas expressões de fandom mais arrebatadoras do que “Come to Brazil”. A frase, repetida várias vezes em respostas do Twitter e nos comentários do Instagram é uma demonstração torrencial da hospitalidade brasileira, ganhando uma qualidade absurda nos Estados Unidos. Um coro de estranhos da Internet implorando para você levar sua turnê em seu país é um sinal de que você conseguiu. Isso também significa que quando o Brasil produzir sua própria superestrela global – a maior desde que Jobim cantou “Garota de Ipanema” há quase 60 anos – é melhor acreditar que eles não estão pra brincadeira Eles estão gritando. Eles estão gritando por Anitta.
No dia em que conheci Anitta, nascida como Larissa de Macedo Machado, na sala de sua suíte no elegante Mondrian Hotel em Los Angeles, ela tinha acabado de chegar da Paris Fashion Week. Bem, na verdade, tinha acabado de acordar de uma soneca. Mas antes disso, estava sentada na primeira fila do desfile da Valentino ao lado de Vanessa Hudgens e posando para fotos com o cantor e ator colombiano Maluma, seu amigo e estrela na comédia romântica de Jennifer Lopez, Marry Me. (Anitta é amada por lá: no verão passado, sua música francófona “Mon Soleil” com o cantor francês Dadju estreou no Top 20.) Pessoalmente, a poucos metros de sua cama, a jovem de 28 anos irradia tranquilidade e confiança, como se brilhando com a adoração absorvida dos ouvintes de música mais fervoroso, com exceção dos fãs de K-pop.
Com um metro e meio, Anitta está vestida com uma regata branca e uma calça Gucci azul que ela vestiu para esta conversa. “Antes de você vir aqui, eu estava nua”, diz ela. Ela ri, mas não quebra o contato visual. “Só calcinha. É assim que eu sou!”
Ela está animada e praticamente aproveita a oportunidade para detalhar seus planos para o Coachella, que será seu show na americano do norte mais importante até hoje. Ela pega seu iPhone, passa fotos de seus muitos cachorros para me mostrar uma planta 3D de seu cenário. É uma enorme favela (ou bairro brasileiro), uma representação artística do bairro lotado e pobre em que ela cresceu. Com motocicletas de verdade.
“Eu estava assistindo a esse documentário da Disney World e vi esse cara Joe [Rohde], ele construiu o parque Animal Kingdom. Há tanta fantasia – natureza e magia”, ela sorri. “Walt Disney era um sonhador, e é assim que eu sou. Tenho que trazer meu país [para o Coachella]. De alguma maneira.”
Aqui está o que você precisa saber sobre Anitta: ela é uma das pessoas mais famosas da América do Sul há uma década, com quatro álbuns de estúdio em seu currículo – tornando-a o tipo de fenômeno pop global sem reconhecimento doméstico nos Estados Unidos. Ela decidiu recomeçar a carreira, em inglês, que fala fluentemente (além de espanhol e português nativo). Versions of Me, seu novo álbum aguardado para esta primavera, é uma mistura eclética que reflete seu estilo cosmopolita: reggaeton, pop, funk; tudo do que o Panic! at the Disco inspirou o pop-punk de “Boys Don’t Cry” até a música “I’d Rather Have Sex”. Esse album também serve como sua introdução formal ao público americano. No hit em inglês “Girl From Rio”, uma interpolação inteligente de “Garota de Ipanema”, ela canta: “Garotas gostosas, de onde eu sou, não parecemos modelos / Linhas bronzeadas, grandes curvas, e a energia brilha”.
“Não estou tentando brincar com ‘o sonho americano’”, diz ela. “Sou uma brasileira, fazendo o que gosto.” Outras pessoas também gostam. Ela possui 93 milhões de seguidores no Instagram, TikTok e YouTube, e seus vídeos no YouTube foram vistos mais de 5 bilhões de vezes, o que a torna uma das musicistas mais influentes nas mídias sociais, de acordo com a Billboard. Ela segue: No momento da nossa conversa, seu lendário bumbum inspirou a tendência “Envolver’” no TikTok , na qual os fãs se abaixam em uma posição de flexão e rebolam à maneira brasileira – “el quadradiño” – atletismo de bunda do mais alto grau. Ela se apresentou na cerimônia de abertura das Olimpíadas no Rio, em um grande prêmio de Fórmula 1, e liderou desfiles de carnaval.
Certa vez, Anitta conheceu Mariah Carey em uma loja em Aspen, e ela conta que as duas choraram, a admiração de cada uma levando a outra às lágrimas. (“Imagine!” ela suspira.) Ela é o tema e estrela de duas séries-documentários da Netflix, Vai Anitta de 2018 (que apresentou ao mundo seu marido “falso” – falamos mais sobre isso depois) e Anitta: Made in Honório de 2020 (um olhar íntimo em seu relacionamento incomum com celebridades). Ela colaborou com Cardi B; Diplo; J Balvin; DJ Snake; Snoop Dog; e Madonna. “Tendo a ética de trabalho que ela tem, não há limites para o que ela pode fazer”, diz DJ Snake. “O mundo precisa saber que o que você vê é o que você tem. Nada de coisas de Hollywood. Ela é realmente uma garota do Rio”.
Diplo concorda. “Nunca conheci alguém que trabalha tanto quanto ela”, diz ele. O produtor, que colaborou com Anitta em várias faixas do Major Lazer, ressalta que a cantora não está simplesmente atravessando dois mercados sobrepostos. Ele diz que ao contrário, digamos, dos ritmos latinos, a música em língua portuguesa não costuma viajar para fora do Brasil, então muitos americanos não sabem nada sobre isso. Anitta teve que começar do zero. “Nenhum outro artista tem tanto espírito independente e tanta confiança para fazer isso sozinho.” Ele faz uma pausa. “E ela é incrivelmente sexy”.
Filha de mãe artesã e pai vendedor de baterias de carros, Anitta nasceu e foi criada na favela de Honório Gurgel, no Rio de Janeiro. Ela dormia no mesmo quarto que sua mãe e seu irmão porque era onde ficava o aparelho de ar condicionado, um luxo que só podiam ligar por alguns minutos à noite. Eles continuam próximos nos dias de hoje. “Família é o que me faz sentir com os pés no chão”, diz ela. “Quando volto para casa, sou tratada com as mesmas brincadeiras de sempre. Falo com eles literalmente todos os dias.”
Em 2010, quando ela tinha 16 anos, ela viralizou na região que morava. Vestida com um minivestido listrado brilhante, ela se filmou cantando com um desodorante na mão e colocou no YouTube. O vídeo chamou a atenção do Furacão 2000, gravadora brasileira especializada em funk carioca e sua carreira começou. Ela começou a usar o nome artístico Anitta (inspirada em uma minissérie brasileira) e ficou conhecida como Furacão Anitta pelo bairro.
“O funk no Brasil era como o hip-hop dos anos 90 na América – veio das comunidades pobres”, explica ela. Ou, mais recentemente, como o reggaeton na América Latina: demonizado por suas letras sobre realidades cotidianas. “Tráfico de drogas, sexo, armas. A sociedade queria criminalizar o ritmo. O ritmo não é culpado. Se você muda a realidade da sociedade e traz oportunidades, as letras vão mudar.”
Anitta mal podia esperar para que a realidade mudasse, então ela mudou a letra para refletir a sociedade como ela desejava que existisse. Ela se educou com ideias otimistas de “empoderamento, feminismo, independência” – o tipo de ideias que Beyoncé estava defendendo ao mesmo tempo, a 8.000 quilômetros de distância – e as adicionou ao funk. Sua música tornou-se um híbrido pop-funk, o que significava que tocava nas rádios, embora o funk fosse proibido nas transmissões da rádio. A mistura, pode-se argumentar, também refletiu o impulso e a atração da sociedade brasileira, onde o casamento gay foi legalizado em 2013, mas a violência contra mulheres e pessoas LGBTQIA + acontece de maneira desenfreada. Anitta critica abertamente o presidente da extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro.
Diante desse pano de fundo cultural, não é surpresa que, à medida que a estrela de Anitta crescesse, ela se tornasse conhecida por agitar a panela pop feminista. Em 2017, quando lançou o videoclipe de sua música “Vai Malandra”, filmada em cima dos telhados das favelas e com lindos corpos nus de formas e tamanhos variados, por exemplo, ela não quis editar sua celulite. “Vai Malandra” foi apontado como uma rebelião feminista por alguns, como apropriação cultural por outros (a família do pai de Anitta é negra e a mãe dela é branca). Na realidade, ela diz que estava trabalhando como sua própria agente na época e descobriu que a tecnologia para remover a celulite seria muito cara.
“Já fiz centenas de cirurgias plásticas, mas não consegui encontrar uma que tirasse minha celulite”, diz ela, jogando a cabeça para trás. Ela ri alto como uma cantora, e profundamente se cala. “Algumas mulheres vieram até mim, tipo, ‘Agora eu me sinto confiante para ir à praia porque você é um símbolo sexual, e você está tão cheio de celulite e não se importa. Eu também não deveria me importar. Eu estou tipo, ‘Sim!’”
Para ser claro, se houvesse uma cura mágica para a celulite, Anitta seria a primeira a admitir que pegou. O Brasil tem o segundo maior índice de cirurgias plásticas do mundo, e Anitta já teve: rinoplastia, remodelação do maxilar e múltiplas reduções mamárias, entre outros procedimentos. “Não vou fingir que sou um tipo de coisa que não sou”, diz ela. É claro que ela aceita suas contradições – falsas e reais, objetivadas e empoderadas – como um voto feminista. “Há muito machismo [no mundo],” ela explica, “E é uma loucura como as pessoas precisam descrever [mulheres como] ‘Esta é uma mulher para se casar; esta é uma mulher para festejar’. Foda-se isso. Eu quero ser ‘a mulher casada’ e ‘a festeira’.”
Ela faz uma pausa. “As garotas não precisam de homens para merda nenhuma. Temos vibradores, temos amigos. Temos amigos gays, o que é muito melhor do que qualquer outro fodido. Confie em mim.”
Há cinco anos, em uma cerimônia privada na floresta amazônica, Anitta se casou com o então namorado, o empresário Thiago Magalhães. Ela estava apresentando um programa de televisão brasileiro chamado Música Boa, e ele estava lá com seu parceiro de negócios. Ele achava que ela era muito atrevida, ela era persistente, e eles se apaixonaram.
Em seguida veio o casamento, mas não realmente, segundo ela.
“[Ele] não era realmente um marido. Foi só porque eu precisava que [ele] assinasse um acordo pré-nupcial”, diz ela. Suas vidas estavam emaranhadas e ela queria manter suas finanças separadas, então ela organizou um acordo romântico. “Eu organizei isso. Eu estava apaixonada, mas queria separar meu dinheiro – eu era racional. Eu sabia que ele não assinaria se eu não montasse a coisa do amor.” Praticamente não há fotos do casamento deles, mas em Vai Anitta ela se mostra muito carinhosa com o marido, frequentemente se referindo a ele como seu esposo – feliz e carinhosa.
“Se você está apaixonada,” ela diz, inclinando-se para o gravador e exalando um cheiro caro de sabonete, “apenas certifique-se de assinar um acordo pré-nupcial. Não importa o que.”
Deixando de lado os conselhos sobre casamento, Anitta – que é abertamente bissexual (“odeio esconder coisas”, diz ela. “É, eu também transo com garotas”) – admite que atualmente tem namorado. É um relacionamento aberto, ideal para o estilo de vida dela. “Eu tenho 15 milhões de namorados, seja o que for”, diz ela. (Um deles, ela disse a Jimmy Fallon, jogou no Super Bowl.) Mas o nome do namorado principal ela guarda para si mesma. “Se o cara me faz sentir respeitada e incrível, eu não dou a mínima se ele fode outra garota”, ela explica. “Eu tive namorados que nunca me traíram, mas me trataram como uma merda. Essa é uma pessoa desleal.”
No primeiro episódio de seu programa de 2020 na Netflix, Anitta, de cara limpa e vestindo uma polo verde, senta-se em uma cama branca de hotel e filma a si mesma. Ela está à beira das lágrimas. “Quando eu tinha 14 ou 15 anos, conheci alguém. Eu estava com medo dele,” seus olhos vão para cima, longe da câmera. “Ele continuou fazendo o que queria fazer. Quando ele terminou, ele foi pegar uma cerveja e eu apenas olhei para a cama manchada de sangue. Foi só recentemente que parei de me culpar pelo que aconteceu.”
Em seguida, ela olha diretamente para a lente: “Para todos vocês se perguntando como Anitta nasceu, foi assim. Ela nasceu do meu desejo e necessidade de ser uma mulher corajosa, que ninguém jamais poderia prejudicar. É isso.”
Falando agora sobre a decisão de divulgar sua agressão sexual, ela se aproxima – um gesto de destemor ou para garantir que eu não a entenda mal. Talvez ambos. Os jornalistas estavam circulando a história, diz ela, e ela se sentiu ameaçada. “É por isso que me abri sobre meu abuso quando era adolescente. Eu sabia que ia sair, e não pela minha boca… Vou contar minha própria merda. Não tenho medo de nada.”
Normalmente, quando um músico grava sob um apelido, é um escudo, mas a Anitta de Larissa é mais uma arma do que uma armadura. “Anitta é uma pessoa para quem eu ligo toda vez que preciso ser forte”, diz ela. “Se eu não tivesse essa personagem que valesse a pena, e que eu pudesse me desligar e ser eu mesma, estaria perdida.”
Perto do final da nossa conversa, noto que Anitta está sentada com as mãos nas coxas, palmas levemente viradas para cima – algo que Winona Ryder disse a esta revista em 2016 a ajuda a “se sentir vulnerável” e comunicar vulnerabilidade. Anitta vem para os Estados Unidos uma estrela totalmente formada, mas estar aqui em Los Angeles é algo como uma viagem no tempo, para quando ela ainda era Larissa, ainda podia sair sem ser totalmente assediada, uma liberdade que ela está fadada a perder novamente através de seu próprio sucesso.
“Minha mãe sempre me conta uma história. Quando eu era adolescente, comecei a sair, adorava festejar. Ela disse: ‘Filha, você tem que ficar em casa.’ E eu disse: ‘Haverá um dia [quando] você vai me implorar para sair e eu não poderei porque serei muito famosa’”.
Você vê onde isso vai. “[Então] houve um dia em que ela me disse: ‘Você tem trabalhado tanto. Saia com seus amigos.’ E eu olhei para ela. ‘Eu lhe disse que aquela data estava chegando.’”
O texto acima foi escrito pela jornalista Maria Sherman para a revista Nylon, a tradução foi feita adptando algumas frases para se manter o sentido em Português Brasileiro, para conferir a matéria original, acesse o site da Nylon.