O grande sucesso de Guel Arraes ganhou uma continuidade. Baseado na obra teatral de Ariano Suassuna — “O Auto da Compadecida 2” chegou aos cinemas no Natal, 25 de dezembro, trazendo de volta a dupla Chicó e João Grilo às grandes telas para mais aventuras em Taperoá, cidade fictícia em que se passa a história.
Após longos anos afastado da pequena cidade do nordeste, João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna, agora como uma lenda: o homem que voltou dos mortos graças a Nossa Senhora Aparecida. Lá, reencontra com seu grande amigo, Chicó (Selton Mello) e voltam a terem suas grandes jornadas no sertão.
Além dos personagens já marcados na memória cinematográfica brasileira, como Rosinha (Virgínia Cavendish) e o cangaceiro Joaquim Brejeiro (Enrique Diaz), também é apresentado ao público Arlindo (Eduardo Sterblitch), Coronel Ernani (Humberto Martins) e sua filha Clarabela (Fabíula Nascimento), juntamente de Antônio do Amor (Luís Miranda) e a nova imagem da Compadecida, Taís Araújo.
Nesta sequência, o longa permanece com a direção de Guel Arraes, com a adição de Flávia Lacerda, bem como o roteiro também tem a participação do diretor Com isso, o filme tem a “marca de Arraes”, que, como foi dito pelo elenco na coletiva de imprensa, segue uma mudança de posição do ator e da câmera frenética,o que dá um dinamismo e uma originalidade ao seus filmes.
Seguindo uma ordem muito notável de atos, quase serial, iniciada com a descoberta do milagre de João Grilo, 20 anos depois de ocorrido, junto as eleições para um novo prefeito de Taperoá, com os candidatos Arlindo, radialista, dono da loja de eletrodomésticos e proprietário da única rádio da região e Coronel Ernani, que ganhou notoriedade nos últimos anos por seu poço ser a única fonte de água do local, já que a seca assolou a região.
Quanto ao desenrolar da história, o filme segue destinos semelhantes ao primeiro, apesar disso, seu desenvolvimento tem momentos de grande destaque, como a jornada de Rosinha como caminhoneira ou os meandros das eleições para prefeito. Outra narrativa interessante é sobre o analfabetismo de Chicó e como ele afetou seu destino com Rosinha e o direito ao cordel recitado por ele sobre seu amigo. Apesar da passagem pouco explorada, sua construção é contundente e emocionante.
Todavia, o maior realce na obra certamente é a teatralidade na interpretação e no ritmo da história, que mostra uma ludicidade que falta na grande maioria dos filmes contemporâneos. Obviamente, não é possível utilizar recursos imaginativos em todas os longa-metragens, mas há produções que possuem essa licença poética para isso e optam por seguir um caminho que reproduz a realidade, mesmo com uma narrativa fantástica. Ao apostar em seguir este caminho, o filme vai à contramão da grande maioria dos longas, o que é um ponto positivo.
Esta teatralidade fica ainda mais evidente no segundo julgamento de João Grilo, em que Jesus e o Diabo são um reflexo da bondade e maldade do próprio pícaro, mostrando a capacidade do Nachtergaele em representar três personagens completamente diferentes em um cena só. Apesar da nostalgia e da interpretação cativante do ator, a volta do personagem ao banco dos réus soa desnecessária para o desenrolar da trama e o final de Grilo. Seria interessante se o filme pudesse apresentar um novo tipo de julgamento ou uma alternativa em que a Compadecida se fizesse presente de outra forma.
Sobre Taís Araújo: sua interpretação como a Compadecida não chega a ser um grande destaque diante dos outros personagens e, principalmente, em relação a sua antecessora. Mesmo assim, cumpre sua função bem e entrega uma santa satisfatória. Quanto às outras atuações, é inegável que a dupla Selton Mello e Matheus Nachtergaele brilham em cena, possuem uma química notável, e tudo fica ainda melhor com Luís Miranda, que possui um carisma indescritível. Vale ressaltar também de Eduardo Sterblitch, Fabíula Nascimento, que na segunda metade do filme formam um casal muito divertido, além de Humberto Martins, que surpreende ao abandonar a personalidade de galã na tela.
Ao final da sessão, pode ser que o público não tenha a mesma epifania que o primeiro filme causou, tornando-se um dos maiores longas da história do cinema brasileiro. Mas, certamente, o espectador poderá se entreter, emocionar e apreciar a volta de dois protagonistas inesquecíveis e que merecem ter sua história contada novamente.