Antes de começar esse artigo, é importante deixar claro que, por mais que “The Getaway” não seja um álbum solo de Josh Klinghoffer, a temática central dessa review é o ex-guitarrista dos Red Hot Chili Peppers. Sem qualquer tipo de clubismo, essa leitura deixará claro o porquê dessa afirmação nos próximos parágrafos.
“The Getaway” é o décimo primeiro álbum da banda californiana e o segundo trabalho que contou com Klinghoffer nas guitarras. Durante os dez anos que integrou a banda, o guitarrista sempre foi visto como um “substituto” de John Frusciante, músico que contribuiu, com seu talento inigualável, para que os Chili Peppers alcançassem fama internacional. Por esse motivo, Klinghoffer nunca conseguiu se desvencilhar da sombra de seu antecessor.
O primeiro álbum lançado após a saída de Frusciante foi “I’m With You”. O disco recebeu duras críticas dos fãs, que alegavam que a sonoridade da banda havia se perdido pelo caminho, de modo que a única coisa que tornava o disco identificável como trabalho dos Chili Peppers eram as linhas de baixo groovadas de Flea. O funk rock do grupo realmente estava diferente, com distorções mais limpas e guitarras mais leves – no entanto, o som das quatorze faixas do álbum não deixam de apresentar aos ouvintes a nova era dos RHCP. A parceria com Josh Klinghoffer parecia muito promissora – e, de certa forma, foi.
Cinco anos depois, a banda retorna com o disco “The Getaway”. Assim como seu antecessor, o álbum é completamente diferente de qualquer outro trabalho realizado pelos Chili Peppers. A leveza de “I’m With You” contrasta fortemente com o som sombrio do último álbum da banda. Enquanto “I’m With You” é um álbum de boas vindas a Josh Klinghoffer, “The Getaway” é a despedida do guitarrista. Logo na primeira faixa, homônima ao disco, fica perceptível que esse é um trabalho acinzentado, tal como a capa escura do álbum (trata-se da obra “Coalition II”, do artista visual Kevin Peterson. Uma curiosidade é que cada “indivíduo” representado na pintura se refere a um membro da banda). Cada nota, cada letra, indica que “The Getaway” não é um álbum feliz – mesmo com a presença de algumas composições mais animadas, como são os casos de “Go Robot” e “Feasting on the Flowers”.
O destaque do disco é a faixa “Dark Necessities”, primeiro single lançado do álbum. As letras expositivas das “necessidades sombrias” do eu-lírico casam perfeitamente com as imagens do clipe do hit. É como se tudo aquilo que está preso, escondido dentro de uma alma, circulasse pelos cômodos da casa na qual o vídeo foi gravado. Tal perambulação interna navega como correntes de ar, transcritas a partir da melodia da composição.
As letras das canções, como um todo, se referem a temas que podem ser críticos para certas pessoas: suicídio, traição, dependência química e emocional e overdose – esse último faz uma referência específica à morte acidental de Hillel Slovak, fundador dos Red Hot Chili Peppers, que faleceu em 1988 em razão de seu vício em heroína. Esse acontecimento é um tanto sensível para os membros do grupo, principalmente para o vocalista, Anthony Kiedis, e para o baixista, Flea. Entretanto, a memória de Slovak é mencionada saudosamente, apesar dos traumas que sua morte causou nos demais membros fundadores dos Chili Peppers.
A sonoridade sombria de “The Getaway”, como mencionado anteriormente, exerce a função de uma despedida. É como se cada faixa previsse o que estava por vir: a expulsão tramada de Josh Klinghoffer da banda. Três anos depois do lançamento do álbum, quando os quatro membros dos Chili Peppers estavam prestes a finalizar seu próximo trabalho, Klinghoffer é convidado a se retirar, para que John Frusciante, o “grande” guitarrista da banda, pudesse retornar ao seu posto de ídolo pessoal dos próprios integrantes do grupo. As mais de vinte faixas prontas da banda passaram a existir, no dia 15 de dezembro de 2019, apenas no iPod de Klinghoffer.
“The Getaway” se encerra com a faixa “Dreams of a Samurai”, que atua como um aceno irado para Josh. Sua decepção seria canalizada para que o multiartista pudesse se dedicar a seus demais projetos: seu trabalho solo, sob a alcunha de Pluralone, além de seu papel de frontman da banda indie Dot Hacker.
Em suma, trata-se de um álbum amargurado por diversos motivos e que, apesar de ser o último trabalho de Josh Klinghoffer com a banda, opera como um encerramento adequado para a estadia do eterno guitarrista do grupo.
Nota da autora: 87/100