Crítica | Luísa Sonza, “DOCE 22”

Luísa Sonza enfrenta julgamentos sobre si mesma da forma mais direta possível em DOCE 22, mesmo que isso só coloque mais lenha na fogueira que vive.

Luísa Sonza sempre terá que se provar. Independente do que fizer na música ela sempre será vista com desconfiança por muitos que a conhecem, e sofrerá julgamentos muito piores vindo de pessoas que mal ouviram dois minutos de toda sua discografia. Ao longo do tempo a artista vem desencadeando reações exageradas de ódio e pouca fé daqueles que não se importam tanto com sua carreira, o que gerou um carimbo de ‘controversa’ em suas costas de forma tão forte, que caso fosse tatuado não causaria choque algum.

Luísa é o assunto perfeito para uma roda de amigos; é uma mulher pública, bonita e constantemente questionada sobre a índole do seu trabalho… Não é difícil se deparar com alguém que diz “Eu odeio ela” seguido de algum riso, como se relacionasse o ódio ao humor para que pareça menos sério após uma frase tão expressiva.

Após alguns anos desses pensamentos tão comuns entre as pessoas, seu engajamento vem alcançando proporções gigantescas. Qualquer nota, em sua maioria sobre vida pessoal, já é armamento perfeito para críticos ou uma oportunidade para refletir sobre a razão de tanta importância sobre com quem ela se relaciona. E mesmo tendo nascido no final dos anos 90, parece que Luísa já viveu décadas em páginas de fofoca, já que sua maturidade (ou a maturidade imposta sobre ela em cada passo ou pequeno erro que cometa) seja tão sobressalente quanto questionada.

O que fazer quando cada post em redes sociais seja basicamente uma porta aberta para ataques, dúvidas e desconfianças sobre toda a existência de uma jovem adulta de vinte e três anos… e como se blindar utilizando a música para conseguir dizer o que sente sem que pareça estar tirando proveito de situações tão frágeis?. Viver minada já é uma realidade tão presente que até aproveitar a vida e simplesmente trabalhar se mostram tarefas difíceis para ela.

Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Anitta – MODO TURBO

A estratégia de defesa de Luísa Sonza foi absorver tudo que foi dito e escrito sobre ela e criar uma grande resposta de trinta e oito minutos. Mas se engana quem esperava que a cantora transformaria tudo em músicas tristes e evitasse qualquer menção às piores coisas que usam para defini-la… Não é à toa que a abertura do disco é a palavra ‘puta’.

Replicando basicamente o que muitos determinam ser sua natureza e mixando com as mesmas autorreferências de sempre, onde a obsessão de Luísa em se denominar ‘braba’ chega a cansar, de tanto que isso se tornou um tropo narrativo pessoal. Um melhor acompanhamento de letrista faz falta aqui, já que cada vez que a estrela pronuncia nomes de singles anteriores parece que toda uma composição foi feita apenas para orbitar sobre essa inserção. Onde a música pop vai fundo e faz um bom trabalho é quando camufla muito bem através das produções. Enquanto se ouve; “Não esconde o jogo, eu te leio bem. Espera tua rodada, se eu chamo cê vem” o ouvido parece automaticamente focar no saxofone de fundo, que mesmo sendo usado em 2021 – quando o auge disso na música pop já passou – ainda faz com que hoje alguns músculos se mexam sem vergonha alguma.

Um ponto positivo é a forma como uma crescente narração sobre sua liberdade sexual acontecem aqui. E começar com xingamentos e trocadilhos para algumas faixas depois praticamente tentar criar um hino sobre prazer feminino é um caminho totalmente honesto. Luísa é uma das melhores definições sobre cantoras pop poderem abertamente falar sobre prazeres sem culpa alguma de como colocar isso em palavras. A luta para que uma mulher perdesse o medo de dizer abertamente que pode “dar até em um carro” em uma música comercial é extensa, e antigos hits muito mais explícitos fazem parte dessa coragem que reverbera até hoje.

Luísa Sonza, 6LACK – VIP *-*

Definir uma transição bem clara partindo de músicas em que afronta pessoas, para outras que focam totalmente em amores do passado e casos atuais não soa como algo tão drástico, isso devido a vida pública da artista ser insistentemente observada apenas por esses ângulos. Quando DOCE 22 não explora a narrativa da mulher tão julgada por ser livre, ele foca completamente em o quanto ser vista apenas como um totem sexual pode fazer tão mal a alguém com pouca idade. Desde seu lançamento anterior, PANDORA (2019), Luísa Sonza já tentava ao máximo que as pessoas enxergassem um lado além do preconceito que parecia até enraizado na cabeça de quem ao faz com tanta frequência.

A segunda parte deixa tão transparente sobre qual momento de sua vida ela canta, que parece que tudo aquilo já era algo claro a ponto de não surpreender. Sua fragilidade no momento do lançamento desse disco acaba trazendo força pois é uma forma de mais uma vez mostrar que seus sentimentos sempre foram crus e sinceros. Alguns momentos causam uma sensação de que a cantora está andando nua pelas ruas, esperando que qualquer agressão já sofrida se repita, mas desta vez ela nem ao menos sentirá dor, porque quando canta “Quando segurei sua mão, você soltou a minha e ainda me empurrou do penhasco” é o auge de uma revelação sobre o quanto realmente se sentiu.

Mesmo que não faça tanto sentido comparar duas abordagens tão distintas, é notável que em sua segunda parte temos os momentos mais fortes do disco. Quando Luísa trás seu lado agitado, é apenas uma evolução do que já fazia no passado, e mesmo que suas composições tenham melhorado muito comparado a letras que hoje soam um pouco constrangedoras, elas ainda são pautadas mais no que as pessoas querem ouvir, do que no que elas precisam para elevar o nível da artista.

Visualmente, presenciamos um deslumbre, a forma como a estética foi aplicada e aproveitada é um dos seus maiores acertos. Trazer atenção para o projeto através desse primeiro ponto foi a melhor forma de descascar o que ele realmente é em seu som. A cantora sempre parece disposta a tentar diversas direções sem que isso seja qualquer problema, e é daí que percebemos o quanto ela ama a música que faz, independente de sua qualidade. Se for necessário falar abertamente sobre qualquer assunto, mesmo que isso traga mais uma polêmica para sua vida, ela vai fazer. Por incrível que pareça, temos aqui uma artista que realmente se importa em fazer um bom trabalho, um profissionalismo puro e simples… mas que faz muita diferença em qualquer âmbito artístico.

Luísa Sonza enfrenta julgamentos sobre si mesma da forma mais direta possível em DOCE 22, mesmo que isso só coloque mais lenha na fogueira que vive. Ter enfrentado tanto não é justificativa para dar razão a qualquer coisa que ela sofra, e é certo dizer que o correto seria ela não passar por nada que a traumatizou e a vem deixado com sequelas psicológicas. A diferença agora é que a cantora sempre verá isso como um patamar de carreira, justamente por ser a melhor coisa que fez até hoje. Luísa não tem mais medo de qualquer coisa ou ninguém, mas a partir de então seu maior desafio será seu próprio reflexo… A única pessoa que ela vai ter que provar algo a partir de então, é para si mesma, e essa será a pessoa mais difícil de agradar.

Luísa Sonza – melhor sozinha :-)-:

OBS: Essa review não contempla as faixas: “ANACONDA *o*~~~”, “CAFÉ DA MANHÃ ;P” e “fugitivos :)” pois as três não foram lançadas junto ao disco em sua data oficial de 18/07/21. Assim que estiverem disponíveis, o artigo será atualizado.

Nota do autor: 65/100

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