Crítica | Jão, “PIRATA”

Em PIRATA, Jão segue sendo cada vez mais honesto sobre quem é, justamente pela liberdade de poder mostrar seu verdadeiro eu de forma destemida.

Músicas sobre amar alguém podem seguir diversos caminhos narrativos: o começo do amor, o final de um relacionamento, o medo de se entregar para algo que não conhece, a ilusão de achar que algo é um sentimento mútuo…

Linhas narrativas para contar histórias de amor em música existem desde sempre, e quando se adiciona um sentimento específico é possível criar infinitas possibilidades. Quando se pensa sobre a tristeza em composições e melodias já é possível imaginar de que forma ela será explorada, mas toda exploração de um tópico pode também causar um efeito adverso. Ouvir e se perguntar como alguém pode ser tão triste ou parecer sofrer de uma melancolia contínua são questionamentos que logo surgem na cabeça de ouvintes. Mas o que fazer quando alguém constrói a base de uma carreira estranhamente meteórica em canções que passam a impressão de que estamos ouvindo quase que um pedido de socorro para ser feliz?

Jão se tornou símbolo de sofrência para uma geração e persistiu em seu sucesso mesmo quando estar triste não era mais tão ‘cool’. Um grande segredo para conseguir tal feito parece não existir – já que ele segue de forma inteligente apenas orbitando na mesma estratégia de mostrar para seu público o quanto são relacionáveis -, cantando que qualquer pessoa pode se identificar com suas odisseias amorosas e as consequências (quase sempre não tão boas assim) que elas podem causar.

Jão – Coringa

A maior aposta de PIRATA foi em sua sonoridade, que pode surpreender pela escolha de batidas mais agressivas e consequentemente bastante interessantes. Não Te Amo faz um trabalho tão contagiante em sua produção que se torna facilmente uma das melhores de sua discografia, além de remeter alguns pontos da carreira de Robyn (curiosamente, outra que também abusa da tristeza em suas canções). Em suas palavras ele mescla momentos de estranheza quando diz que bancos de carro o fazem lembrar de nucas, com pontuações sobre efeitos de alucinógenos comparados com sequelas que pessoas causam uma nas outras… e essas metáforas parecem ser as novas queridinhas de suas composições, já que vem sendo constantes desde seu projeto anterior, ANTI-HERÓI.

Em Clarão a desconexão em sua batida não proporciona um efeito tão grande, por parecer que faltou coragem para explorar mais instrumentos e loops que causariam maior espantamento positivo, algo que outros artistas próximos já provaram ser possível em outras faixas sobre feixes luminosos. A fanfarra leve em Idiota ajuda a música a sair do obvio, e é a melhor escolha para fazer alguém se mexer enquanto ouve o disco. Já em Olhos Vermelhos o cantor abdica de qualquer ajuda e cria sozinho um encerramento decente, provando que se no futuro sua decisão fosse fazer música completamente só, provavelmente não sairia algo tão longe do que ele já faz com apoio de outras pessoas. Ponto positivo para ele e para os fãs, que tem aqui uma faixa para se orgulhar do ídolo.

O maior momento do disco é com Coringa, a música é exatamente o que uma faixa pop deve ser, e sua abertura é de longe um dos momentos mais viciantes para se cantar junto dentre tudo que já lançou até hoje. Seu refrão fácil fica na cabeça logo nos primeiros segundos, sendo uma prova de que quando Jão faz uma faixa ser pegajosa, ele faz isso muito bem.

Imaginar que o artista poderia quebrar barreiras e mostrar uma personalidade completamente diferente é um pensamento inocente, pois desde que ficou notável o quanto o público de Jão importa para ele, também foi o momento em que ficou claro o quanto ele nunca vai dar um passo tão grande a ponto de fazer aqueles que o fizeram subir, serem os possíveis responsáveis por sua queda. E ao mesmo tempo que isso é seu ponto mais forte, também é seu calcanhar de Aquiles (outra referência citada no encerramento do projeto, provavelmente porque se identificou fácil com uma obra bastante dramática sobre o personagem). Ele parece seguir refém daqueles que gritam suas músicas em seus shows lotados e em momento algum soa interessado em colocar qualquer outra palavra que não seja o que essas pessoas já esperam ouvir.

Se por um lado pode se dizer que isso é uma coincidência e a razão central do seu sucesso, por outro é deixar a sensação de que por mais que cante sobre suas próprias experiências, em algum momento parar e imaginar como outros gostariam que ele falasse sobre algo pode ter um peso maior do que simplesmente escrever como as situações realmente aconteceram. Tanta dramatização soa piegas e às vezes até miradas em frases avulsas que mais parecem formadas para serem exibidas em bios de redes sociais. Em outros momentos a obviedade de suas abordagens chega a níveis tão estratosféricos a ponto de nomear uma canção sobre sua bissexualidade como Meninos e Meninas.

Jão – Não Te Amo

Apesar dos pesares, PIRATA é a sua melhor definição até então. Sua maturidade musical vem em uma crescente lenta, mas que segue disposta cada vez mais a mostrar que o cantor pode chegar a lugares que não seria possível imaginar quando ele surgiu pedindo para que dançassem para ele. Jão segue sendo cada vez mais honesto sobre quem é, justamente pela liberdade de poder mostrar seu verdadeiro eu de forma destemida a cada novo disco.

A culpa dessa sinceridade que ele imprime em suas canções é devido ao apoio incondicional que vem recebendo desde que apareceu. Para um músico isso é o que dá o gás necessário para seguir fazendo aquilo que sempre fez, e por mais que esse impulso possa acabar se tornando seu maior fantasma e o causador de uma comodidade musical inconveniente, é impossível não se lembrar que mesmo não tendo tudo que poderia ter caso fosse mais corajoso, pelo menos ele tem o povo… e esse é o objetivo mais desejado por qualquer um que faça e viva de música.

Nota do autor: 68/100

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