Quando um artista surge para o grande público do dia para a noite com uma música que é quase uma unanimidade sobre sua qualidade, o primeiro passo do ouvinte é buscar informações e saber de onde saiu aquela pessoa, que semana passada não tinha sequer um único play em seu streaming favorito. Esse tipo de comportamento é normal, seja pela curiosidade em descobrir se existe mais conteúdo a ser aproveitado, ou apenas colocar um rosto e uma personalidade naquilo que poderia ter sido só uma ouvida, mas que acabou entrando no repeat.
Só que hoje em dia existe um outro tipo de conduta sobre isso, que visa realmente separar o artista da sua obra, por simples falta de interesse. Pessoas que ouvem determinada canção e não se importam em saber mais sobre quem a canta, estando satisfeitas em apenas ter um novo vício para cantar junto quando toca. Quando Olivia Rodrigo lançou ‘drivers license’, estas reações vieram à tona, somados a uma terceira: de pessoas que já conheciam a cantora e seguiam sua carreira na TV (onde atualmente ela participa de High School Musical: The Musical: The Series).
O motivo pelo qual é interessante prestar atenção na forma como as pessoas lidaram com esse grande estouro musical é porque não existem mais tantas formas de se surpreender com uma artista surgindo e se tornando O assunto do momento. Não choca mais ouvir uma grande música aparecendo assim do nada desde ‘Video Games’, e menos ainda se for feita por uma garota tão nova, isso desde ‘Royals’. Então qual o motivo deste quase consenso de expectativas altas após um pontapé de carreira tão bom?
Estar com dezoito anos em 2021 não é a mesma coisa que atingir essa idade dez anos atrás. A sensação de que a geração de agora cresce e amadurece mais rápido é perceptível sem muitas dificuldades, e perguntar a um jovem como é sua vida amorosa pode desencadear uma redação inteira sobre amores que deveriam ser eternos e desilusões que machucam como o fim de um casamento de vinte anos. A tal da angústia na adolescência agora parece dar lugar a uma mistura de sentimentos que quase ninguém costumava ter antes da vida adulta. É impossível deixar mais claro que isso em ‘brutal’, a faixa de abertura que diz exatamente sobre o quanto pode ser normal ter tantos problemas mesmo com pouca idade.
A sonoridade clichê e uma letra onde fica difícil para os mais maduros se identificarem acaba afastando um pouco os ouvidos mais críticos, mas é perfeita para o público alvo da cantora. A sua vida (por mais privilegiada que seja) tem tudo pra ser um grande clichê bobo. Quando se ouve: “’Cause I love people I don’t like, And I hate every song I write, And I’m not cool, and I’m not smart, And I can’t even parallel park” é o bastante para entender que nem Olivia está livre disso, e caso sobre disposição para continuar a tentar entender como alguém nascido em 2003 se comporta, a porta segue aberta durante os próximos trinta e dois minutos e vinte e três segundos do disco.
A formatação de suas onze músicas é a parte mais difícil de assimilar… tudo está encaixado demais. E o que podia ser um ponto positivo acaba se tornando algo muito básico. Reservam-se lugares para os momentos de fúria (onde não é surpresa a base e influência do rock terem presença garantida), quando a cantora reflete sobre estar triste ou melancólica surge uma pegada folk que acaba soando crua em excesso… e os momentos de maior primor sobram para as faixas que já eram conhecidas do público, como em ‘deja vu’, de longe a que mais cresce durante toda a execução e acaba se tornando um ponto alto devido ao capricho na produção. A surpresa de um sample em ‘1 step forward, 3 steps back’ dá um charme a mais na faixa, principalmente pelo toque pessoal de usar uma música da sua maior influência, Taylor Swift. E justamente outra boa sensação é perceber que o projeto não é um copia e cola da carreira da super estrela, já que a personalidade da garota transparece bem mesmo após essa ‘homenagem’.
A chuva de opiniões sobre a sonoridade de ‘good 4 u’ foi um dos maiores falatórios após seu lançamento, e em um dos melhores momentos do disco é possível se sentir exatamente como no ano de nascimento da cantora. Sua estrutura procura sempre crescer durante a execução e alonga de uma forma que parece representar toda uma década de jovens mulheres fazendo aquele pop quase punk bem comportado. Seu vídeo é também o maior deleite audiovisual deste debut, desde as pequenas referências não óbvias a filmes que levaram tempo para serem reconhecidos até a estética clichê (porém super bem executada) do estereótipo da garota da escola que proclama refrãos viciantes com atitude.
Para não dizer que todas as faixas inéditas trazem algum tipo de cansaço vale citar ‘happier’ e ‘jealousy, jealousy’. A primeira soa como algo que a cantora faria em um momento chave de um musical moderno, enquanto a segunda fica na cabeça como uma música que não tocamos toda hora, mas que nunca se pula quando cai no shuffle.
A expectativa sobre o que Olivia Rodrigo iria entregar em seu primeiro disco era um pouco conturbada. Se de um lado o primeiro single surpreendeu de uma forma que já garantiu seu espaço em listas de melhores músicas do ano, do outro também havia aquela sensação de que talvez foi apenas um grande acerto e nada mais. Uma coisa é clara: a cantora não é ou deve ser algo passageiro, a forma como ela coloca exatamente o que é em sua música transmite confiança sobre o que foi feito, e o trabalho do produtor Dan Nigro também deve ser enaltecido, já que a força da parceria com a artista maximizou o impacto que ela vem tendo até então.
Mas deixando de lado as obviedades sobre alguém ser ou não o público alvo de uma cantora adolescente, ainda é possível perceber que o resultado não é tão profundo quanto as angústias cantadas em suas letras. Há momentos em que suas músicas apenas parecem novas interpretações das mesmas situações já ouvidas duas faixas atrás, e a forma insossa como as tragédias amorosas são contadas é capaz de causar languidez física.
SOUR não é tão memorável quanto gostaria, em parte devido ao gigantesco poder de até uma simples ponte eclipsar todo um projeto, mas também por não oferecer exatamente um apego ou até comoção sobre a vida amorosa da sua protagonista.