Crítica | Sam Hunt, “SOUTHSIDE”

Se existe um estilo musical que define os Estados Unidos, é a música country… da mesma forma que o samba pode definir o Brasil. Mas diferente das raízes do samba e sua influência (que são muito bem aceitas por todos, desde em sua forma clássica, quanto em uma nova roupagem) a ‘nova’ música country sempre sofre com qualquer alteração que alguém pode tentar fazer na sua base.

É impossível não criticar a visão limitada em que muitos do gênero enxergam, justamente para se enquadrar nos esteriótipos mais aceitáveis e conseguir da forma mais fácil algo mais próximo de uma carreira de sucesso. Assim como o sertanejo, o country é repleto de clichês e atos extremamente similares, de forma a ficar confuso para quem ouve em saber quem canta o que.

Por todas essas razões, fica um pouco difícil se arriscar e tentar furar a bolha, e todo artista sofre com os comentários ácidos de um público acostumado com o conservadorismo. O que pode acabar se tornando um desafio conseguir ‘dar a volta’ em ouvidos que tendem a gostar sempre de algo que anda na mesma linha. Mas… felizmente, existem cantores que insistem em andar em zigue-zague. Como é o caso de Sam Hunt.

Sem fugir da proposta iniciada em ‘Montevallo’, Sam Hunt consegue ir mais além em novo disco.

Desde 2014 os fans esperam pelo novo trabalho do cantor. 6 anos de diferença entre seu primeiro álbum e o segundo é muita coisa, para artistas do mainstream pop pode ser um tiro no pé ficar tanto tempo entre um lançamento oficial e outro, mas como este não é o caso de Hunt então apenas a ansiedade era o maior problema. A menção de datas aparece logo na primeira faixa, “2016”. A canção, que é uma das mais fortes do álbum, é também uma das mais honestas, a letra narra um típico arrependimento de uma história de amor e remete muito aos temas já cantados no disco anterior, ‘Montevallo’. O estranho aqui é uma letra tão pessoal acabar soando apenas como mais uma música para o próprio cantor, como dito em entrevista à Apple Music.

Em “Hard To Forget” a vibe muda completamente, a música é a mais animada do álbum e tem a cara de um hit do verão. O sample de ‘There Stands The Glass’, um clássico country dos anos 50, é aplicado da melhor forma possível – e garante uma parte divertida que demonstra a melhor coisa sobre a carreira do cantor; Atualizar o clássico mantendo raízes e conseguindo implantar personalidade. É a escolha mais acertada para single do disco, seria apenas melhor se tivesse sido a primeira música lançada, já que foi a partir dela que SOUTHSIDE começou a tomar forma.

A companhia perfeita para a faixa anterior aparece logo após, “Kinkfolks” não inventa a roda, e inclusive em alguns momentos pode lembrar muito os hits do primeiro disco. O que faz a música se destacar entre as melhores é justamente por fazer muito bem o arroz e feijão de uma canção country, contar uma bonita história de amor com uma produção bem executada. O bingo do gênero só não é completo pela falta de referências religiosas ou sobre picapes.

A brecada no clima animado vem com “Young Once”. A faixa é mais uma que remete a hits antigos, e uma das mais pop do álbum (mesmo com um banjo quase escondido durante o refrão). E talvez pela escolha de posicionamento na tracklist ela acabe ficando um pouco tímida. Mesma coisa que acontece com “That Ain’t Beautiful”… essa que pode ser a faixa mais difícil de aceitar para quem não conhece os trabalhos do cantor, devido a quantidade de versos falados, algo muito comum em sua músicas.

Mas, entre as duas temos o maior sucesso do álbum (e também do cantor). “Body Like A Back Road” foi lançada em 2017 e foi uma surpresa quando a música alcançou a 6ª posição na parada da Billboard Hot 100. Seria estupidez não aproveitar este estouro e deixá-la de fora do disco. Mesmo tendo perdido a chance de lançar um videoclipe para a música.

Adaptar outros estilos sem conseguir perder a base da música country é um dos maiores destaques das músicas do cantor.

Em “Let It Down”, uma das influências que o cantor adora se basear aparece de forma suave, a do R&B. Sam já disse muitas vezes que o gênero é um dos seus favoritos e que ele tende a imaginar como poderia adicionar isso a batidas de country pop. No refrão é como se dois instrumentais completamente diferentes tivessem sido remixados, e felizmente isso funciona, fazendo com que a faixa (mesmo sendo uma das mais básicas) se sobressaia.

“Downtown’s Dead” é mais uma das músicas lançadas muito antes do disco, é também a escolha mais apática como single, apesar do lindo clipe gravado no México. A faixa não se destaca e também não ofende, mas poderia facilmente ficar de fora do trabalho e ninguém se importaria tanto.

Provando que misturar gêneros é uma das coisas que sabe fazer melhor, e novamente utilizando o R&B, “Nothing Lasts Forever” é mais um pico de qualidade na sequência de músicas, os bps lentos e um violino triste dão o tom melancólico da canção, que fala sobre sentir algo pior que o ódio ao final de uma relação… sentir indiferença. Definitivamente, uma das melhores coisas que poderiam acontecer na carreira do artista foi seu envolvimento com a esposa Hannah Lee Fowler, já que foi ela que inspirou essa e a maioria das melhores músicas do cantor.

A maior surpresa é com certeza “Sinning With You”, a balada mais bonita do disco, feita em gênero neutro é perfeita pra qualquer tipo de identificação. A história aqui pode ser qualquer coisa, por ser facilmente identificável com alguma situação pessoal do ouvinte. Se analisarmos mais fundo, é até possível pintar a letra como uma história de amor LGBT (tal qual a livre interpretação famosa de Dancing on My Own da cantora Robyn).

Mesmo em 2020 ainda é muito difícil ver artistas do estilo citando ou cantando abertamente sobre isso, o que faz com que uma música que nem tenha sido pensada dessa forma possa se tornar um hino para qualquer um sem que qualquer estrofe seja trocada. Pra quem gostou disso, uma dica de artista country que costuma representar muito bem o tema é o magnífico Orville Peck.

“Breaking Up Was Easy In The 90’s” é a música clássica do álbum. Entre fazer referências a relacionamentos no passado e pensar como hoje em dia qualquer tipo de conexão é diferente. Algo curioso na composição foi quando Sam disse que tentou não pensar em qualquer referencia de tecnologia na canção, trazendo uma vibe mais crua sobre contar uma história country.

A música que fecha o disco é também uma já conhecida dos ouvintes, pois foi lançada em 2017. “Drinkin’ Too Much”. E é também a coisa mais vulnerável que se pode ouvir de toda a carreira do cantor. Lançada como um pedido de desculpas quando estava separado da esposa, ele conta com honestidade sobre o quanto seu sucesso acabou afetando-a. Desde nomear seu primeiro álbum em sua homenagem até agradecer por sua presença constantemente. O título faz muito mais sentido depois que Sam foi preso por dirigir sob influência no final de 2019. Sendo assim, não existe melhor música para fechar o disco do que sua maior prova de agradecimento para aquela que mais contribuiu com o despertar da sua carreira.

Mesmo tocando em assuntos clichês do gênero, ainda é possível se identificar com a vulnerabilidade das letras reais de SOUTHSIDE.

A música country atual ainda não atinge tanto fora do escopo americano, e isso ainda vai ser muito difícil de se ver. No resto do mundo ela não combina, e aqui no Brasil o sertanejo já tem uma força que nunca seria substituída por algo feito em outra língua. Além disso, o fator identificação é muito forte para alguns ouvintes, e como o gênero é tão único em suas características fica mais complicado achar uma brecha pra se ver nas músicas. E talvez seja por isso que os artistas desta nova leva estão cada vez mais pop, tanto em influência quanto em som… mas o mais importante, em voz.

Outros cantores podem ser melhor exemplo disso porque mesmo indo contra a corrente ainda conseguem nadar muito bem, o que ajuda outros artistas entenderem que tudo bem colocar um pouco de personalidade no clássico. Mesmo assim, Sam Hunt ainda é um dos cantores mais ‘fáceis’ para iniciantes do estilo, e obviamente o apelo estético do moço é muito forte, podendo servir como o despertar de um interesse. Independente da forma que novos admiradores surgirem o que importa é que vão encontrar qualidade. É preciso um pouco de cabeça aberta para se envolver com o estilo das melodias (falando aqui sobre as partes ‘faladas’ das canções – o que pode ser considerado algo muito chato em uma primeira ouvida).

Em SOUTHSIDE o cantor não trás um álbum muito superior ao primeiro, mas foca em determinar sua personalidade e tentar melhorar os erros de ‘Montevallo’. A opção de colocar músicas muito antigas soa como se o processo de escolha do que iria para o projeto parecesse um pouco bagunçado… Isso somado ao fato de ter demorado tantos anos para este lançamento. Fica o questionamento se havia realmente um foco para fazer um trabalho grande, ou se a opção escolhida foi trazer algo sólido o bastante para aumentar o campo de alcance do artista. De qualquer forma o álbum se segura sozinho, mas deixa esperanças para que no futuro um projeto melhor organizado traga um algo mais ambicioso.

Nota do autor:
80/100

Ouça “SOUTHSIDE” do Sam Hunt:
→ Spotify
→ Deezer
→ Apple Music

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