Depois do lançamento de “Isolation”, primeiro álbum de estúdio da cantora colombiana Kali Uchis, a dúvida que pairava no ar entre seus admiradores não era apenas quando a artista lançaria seus próximos trabalhos, mas sim se Kali conseguiria chegar à altura de um álbum tão bom. Em 2020 a colombiana retorna com um novo disco , “Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios)”, que se tornou um slow hit. O novo álbum não chega aos pés de “Isolation” – é “Isolation” que precisa se curvar diante do novo trabalho de Kali Uchis.
O primeiro álbum da artista – que é, inclusive, uma exímia produtora – é impecável. Não por ser um bom trabalho para um debut album, mas por cumprir ao que se propõe sin miedo de errar, e acerta em um título de artista promissora. Na verdade, esse rótulo deveria ter sido conferido a Kali em 2015, com o lançamento de seu EP “Por Vida”. Com produções de Tyler, the Creator, Diplo, Kaytranada e BadBadNotGood, já era possível perceber o potencial gigantesco de Uchis em apenas nove faixas. Com uma voz aveludada e um sotaque cantado em inglês, a artista fincou o pé no pop, e logo em seguida apareceu como nome confirmado em parceria com grandes artistas. “After The Storm”, com Tyler, the Creator e Bootsy Collins, é um exemplo da magnitude de Kali – neste momento ainda pouco explorada.
“After The Storm” acabou figurando como uma das quinze faixas do primeiro disco da colombiana, porém acabou se perdendo em meio a grandes canções, como é o caso de “Flight 22”, “Your Teeth In My Neck”, “Dead To Me” e “Killer”. Mesmo sem ser um grande sucesso em termos de charts e números, Kali Uchis conseguiu se estabelecer no meio comercial com as suas canções que carregam a sonoridade latina em composições que seguem a estrutura de canções pop. É possível perceber a introdução tímida da língua espanhola em algumas faixas – quadro que mudaria completamente em seu próximo álbum.
A consolidação de Kali Uchis com “Isolation” permitiu que a cantora experimentasse mais em seu segundo álbum, “Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios)”. Em treze faixas, o espanhol é a língua predominante do álbum, o que acrescenta lirismo a todo o trabalho. Se “Isolation” é impecável, “Sin Miedo” é inefável. O pop se mistura ao R&B, de modo que o ouvinte é convidado a flutuar em um mar lilás. As letras das canções agregam um tato sedoso ao que chega aos ouvidos, fazendo com que um cheiro doce de perfume consiga ser sentido enquanto “fue mejor”, “vaya con dios” e “quiero sentirme bien” tocam. Sensibilidade é um dos fortes de Kali Uchis, e ele é onipresente em todos os seus trabalhos, seja qual for o tema de suas canções.
“Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios)” é um álbum sexy, condizente com o estilo de Uchis, que não cessa em levar a América Latina para os charts mundiais. “telepatía”, sétima faixa do disco, encontra-se em 54º lugar no The Hot 100, classificação da revista estadunidense Billboard, na semana em que esta review é escrita. O sucesso da música se deve sim à sua qualidade musical, mas seu boom conta com um empurrãozinho da rede social TikTok: “telepatía” virou a trilha sonora de milhares de vídeos da plataforma, o que alavancou o número de vendas de Kali Uchis e de seu disco maravilhoso. O hit também atingiu, no primeiro dia de março, a primeira posição das Top Songs da Apple Music e o quarto lugar das canções mais tocadas no mundo no serviço de streaming Spotify.
A capa do álbum, no entanto, apresenta-se como o único defeito do álbum. O design é impecável, mas não parece dialogar com a estética de Kali, tampouco com a harmonia visual buscada nos clipes lançados até agora. Uma coisa é indubitável: Kali Uchis, representada na arte do disco, é realmente um anjo, seja por sua voz de querubim, seja por sua delicadeza para ilustrar seus sentimentos em belas letras e canções refinadas.