Repetitivo, cansativo e eterno: essas 3 palavras resumem bem o castigo de Sísifo na mitologia grega. Ele ficou conhecido por ser um dos mortais mais astutos, sendo capaz de enganar os deuses e a própria morte em duas ocasiões. Por conta disso, como meio de punição, foi obrigado a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha e toda vez que estivesse chegando ao fim, a pedra rolava para baixo, fazendo com que ele tivesse que executar tudo de novo, num trabalho repetitivo, cansativo e eterno.
Num palco limpo, durante boa parte do espetáculo, com uma rampa no centro que muda de direção ao decorrer do mesmo, Gregorio Duvivier dá vida a um personagem pós moderno que vive uma série de metáforas sobre a inutilidade dos esforços humanos, ganhando contornos atuais ao discutir a sociedade moderna veloz e sempre conectada com seus computadores, celulares, redes sociais, memes e fake news.
Enquanto cerca de 60 mini-cenas acontecem quase que ao mesmo tempo de tão rápidas diante dos espectadores, Duvivier, vestido num conjunto preto, sobe e desce a rampa num ritmo frenético. Muitas cenas revoltantes são trazidas à tona no decorrer da apresentação e várias tragédias que aconteceram nos últimos anos são relembradas, como o assassinato de Marielle e Anderson (presente!) Brumadinho, Mariana, do incêndio no Museu Nacional, dos gays assassinados, das mulheres mortas por seus maridos. Mostra o caos na política, a iminência do fim da humanidade, o apocalipse. De uma maneira que só ele conseguiria, Gregório trava uma luta de palavras em cima do palco, de uma maneira frenética criando um tipo de grito desesperado que parecia estar engasgado há tempos.
O que temos em cena são falas que vão muito além dos dilemas do dia a dia. Elas mostram os principais problemas que enfrentamos dentro da nossa sociedade, tanto brasileira quanto mundial. A peça mostra, por exemplo, o drama de um rapaz que decide cometer suicídio pulando de um prédio — e faz uma “live” na internet para anunciar sua atitude. Tem também a poética personagem que vendia brigadeiros e agora passou a vender sentidos para a vida. Em outro momento, um motorista de carro por aplicativo divaga sobre como a sua vida está intimamente ligada à vida de seus passageiros. Em outra subida e descida de rampa Gregório ressalta o absurdo no uso de tantas sacolas plásticas, que duram mais do que o próprio homem.
Tem muito humor, muito drama e muito suor — o ator corre, pula, se joga e fica exausto com toda a ginástica teatral exigida nas cenas. Mas o esforço vale a pena, porque o resultado é uma peça criativa, inteligente e necessária.