Um casal apaixonado passeia de carro conversível por um bosque escuro, com árvores sem folhas e climatizadas pelo Dia das Bruxas americano, a lua, é claro, está cheia, e ao pararem o automóvel, o segredo é revelado: o namorado começa a se transformar num terrível monstro. Pois bem, isso é ficção, não é mesmo? É só uma cena de um filme clichê de terror, ou melhor, um “Thriller”. Coincidência ou não, o homem que interpreta aquela cena é o mesmo que está acompanhando sua namorada da vida real no cinema, e a história se desenrola por mais catorze minutos entre música, dança, momentos-chave de puro silêncio e muito, mas muito terror.
Thriller, o álbum de 1982, possui mais duas produções em short film (ou curta-metragem, na tradução livre), “Billie Jean” e “Beat It“. O objetivo de Michael, ali, era expandir as possibilidades de fazer arte com vídeos musicais. E foi o que aconteceu. Quatro décadas depois, os curtas reacendem com essa mesma vontade dos artistas em explorar outras interfaces de sua própria arte com o objetivo de aproximar sua música a algo mais palpável e visual através de técnicas de storytelling.
Curtas-metragens, de acordo com a galeria de arte digital Laart, são obras que comunicam ideias em poucos minutos, sendo um formato muito utilizado por artistas como uma porta de entrada ao mundo do cinema. Entre as características de um curta, estão o storytelling efetivo e rápido, estrutura bem pensada entre planos, cores e movimentos que façam sentido para a criação do filme, e por fim, um roteiro bem feito para guiar essa história de até 40 minutos, tempo limite para um curta concorrer ao Oscar. Por outro lado, no Brasil, temos a Lei do Curta, que determina um tempo ainda menor: 15 minutos.
Mas agora, o que significa ter Taylor Swift, Ariana Grande, Gracie Abrams, Kendrick Lamar e outros artistas-chave essa década investindo em um tipo de produção que, em definição, é um curto tempo estipulado, mas quando falamos de videoclipes, parece tempo de sobra? Aqui, acreditamos ser uma resposta ao novo modelo de consumo de conteúdo. Afinal, até cinco anos atrás, os videoclipes haviam perdido toda a sua força em comparação aos vídeos de curta duração (vulgo, TikToks) cuja prioridade da música era ter uma dancinha viral para o refrão. Em um momento de consumo pulverizado, os curtas-metragens voltam a ter sua característica de produção revolucionária que apontamos no início do texto a partir de produções expansivas e criativas que permitem um vínculo ainda maior entre arte, artista e público.
E isso não exclui a força da dança e dos refrões chiclete, não. Lady Gaga, fenômeno que atravessa o pop, criou experiências em short films durante toda a sua carreira, alinhando drama, coreografias icônicas e narrativas únicas com “Paparazzi”, “Telephone“, “Marry The Night“, “G.U.Y.“ e “911“, a artista sempre explorou diferentes formas de dar cor e vida à sua música através dos visuais. Outros artistas, como Melanie Martinez e BTS são também grandes exemplos do audiovisual como estratégia de ascensão. Enquanto Martinez se construiu um símbolo da música alternativa através de curtas com histórias que geram identificação do público ao falar de bullying, exclusão social e desigualdade de gênero, o grupo sul-coreano atravessou os limites da linguagem ao contar a história do álbum Wings por meio da junção de diversos curtas protagonizados por solos de cada um dos membros.
Seja pelo cuidado estratégico com a entrega de uma produção coerente em cor, formato, movimento, elenco e outros fatores que agregam valor à uma obra audiovisual, os curtas são uma categoria revolucionária dentro e fora da música. Em tempos de virais sem propósito, artistas que ousam explorar outras formas de entregar sua arte se destacam e fazem sua própria história se tornar um filme.