Crítica | BLACKPINK, “The Album”

Após anos do seu nascimento, BLACKPINK finalmente lança seu esperado disco e mostra que sua ideia de revolução não é mais a mesma.

A sensação de começar a ouvir um artista sabendo que ele tem algo como um “prazo de validade” pode afastar completamente a emoção de acompanhar determinado ato musical. Para aqueles que não acompanham K-Pop, soa até bizarro saber que é muito comum a durabilidade de um grupo não ser tão longa na Coréia do Sul. Mas é necessário se atentar ao fato de que neste exato momento existem milhares de jovens artistas (ou como chamam: trainees) esperando sua chance para fazer parte dessa indústria que se mostra tão relevante a cada ano que passa.

Um dos seus maiores atos se chama BLACKPINK, formado por quatro garotas que vem em uma crescente desde seu primeiro lançamento oficial, “Bombayah / Whistle“, em 2016. Nunca houve um pico menor do que seu nascimento, e a cada nova música parece que Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé se mostram cada vez mais potentes em provar sua competência.

O fato da sua durabilidade ser tão notável é o choque em saber que seu primeiro álbum oficial só foi acontecer em 2020. Caso não seja contado o álbum japonês “Blackpink In Your Area“, de 2018. Este que tende (e deve) ser ignorado devido ao projeto servir apenas como tática de impulsionamento da carreira no país vizinho. E entender a importância do preparo físico e mental que esses trainees passam é suficiente para notar o quanto isso faz diferença em seu comportamento artístico.

O primeiro balde de água fria após o anúncio do lançamento do primeiro trabalho oficial foi descobrir que o disco seria formado apenas por oito faixas. É difícil não se decepcionar quando algo tão aguardado por anos não tem tanto para oferecer em quantidade, mas talvez esse sentimento partiu mais de não fãs da girlband. Quem acompanha as quatro garotas já está calejado e acostumado a receber migalhas, sempre culpando sua gravadora, YG Entertainment, sob acusações de negligência com promoções, lançamentos e até divisão de vocais. Mas é bom lembrar que nunca houve algo tão grande quanto BLACKPINK nas mãos de YG, então é fato que agora é o maior momento em que algo saído de lá se torna tão insigne.

Apesar da decepção com quantidade de músicas, é com as inéditas que ‘The Album‘ trás sua maior consistência.

A resposta rápida e crua sobre “The Album” ser um projeto que faz jus ao tamanho das garotas é simples: não. Ao mesmo, nos perguntamos: seria possível trazer algo tão ambicioso? Sim. E essa oportunidade foi perdida. Apesar das primeiras críticas com How You Like That e suas semelhanças com singles passados, é impossível não notar que ela foi a melhor escolha para abertura. Aqui, é entendível repetir a fórmula que fez suas músicas serem tão viciantes e notáveis, incluindo gritos que ecoam o nome do ato e produção que nada deve as de música norte-americana. Não é a toa que o produtor Teddy esteja presente aqui e em quase tudo, justamente por ser um dos melhores produtores de K-Pop desde sua ascensão nos anos 2000.

Uma boa surpresa foi perceber que a sonoridade está menos pop que se imaginava, e esse agrado vem justamente na melhor faixa, ‘Pretty Savage’. Apesar da insistência em maiores focos para Lisa e Jennie, há espaço para todas as integrantes brilharem. O mesmo efeito acontece em ‘Crazy Over You’, que traz a produção mais divertida entre as oito faixas. As duas são o melhor que o disco provém justamente por saírem da mesma direção que o grupo insistia em seguir, provando que BLACKPINK pode pensar fora da caixa e que não necessita de amarras tão justas que sua gravadora insiste em colocar. Outro bom exemplo é ‘Love To Hate Me’, uma das músicas totalmente em inglês e que nada deixa a desejar para faixas em coreano.

As duas participações no álbum são de Selena Gomez e Cardi B, e o fantasma da síndrome de americanização do K-Pop é o que o derruba novamente. Mesmo que falando pelo ponto de vista de marketing, já que ter essas duas artistas no primeiro disco oficial é uma jogada perfeita. Mesmo algo já sendo conhecido mundialmente, não significa que sua música penetre na mente de todos que já ouviram falar, então nada mais esperto que trazer dois nomes tão grandes para servirem de ‘introdução’ para desavisados e preconceituosos.

A síndrome da americanização desnecessária através de músicas marketing é o atraso na vida de BLACKPINK.

Em ‘Ice Cream’ podemos até ser convencidos por um tempo devido ao seu vídeo tão colorido e hipnotizante, além de que a participação de Selena Gomez está bem colocada, mas a música oferece nada além de distração por alguns minutos. A sua melodia pula de versos que abrem para interpretação, um sorriso que pode ser solto quando se ouve a expressão ‘Mona Lisa Kinda Lisa’ e refrão que parece algo saído de programa infantil. Não chega a ofender, mas também não ajuda. E é por pouco que ‘You Never Know’ não caí neste balaio de algo quase descartável, sendo salva apenas pelos vocais de Rosé e Jisoo

O maior momento de aversão durante os quase vinte e cinco minutos de escuta vem na faixa ‘Bet You Wanna’, a música soa como um descarte de todo e qualquer artista pop que já esteve em alta em algum momento. Não é apenas a pior música da carreira, é também o pior feat. entre artista sul coreano e internacional. Se antes, quando Wonder Girls e Akon haviam dado um show de horrores em Like Money, aqui o buraco é muito mais embaixo… pois além disso tudo é possível notar que a música não traz personalidade alguma, para nenhum dos artistas envolvidos. Cardi B soa no modo mais automático possível, com um verso e flow tão fora de conexão que se cantados por Sophia Grace ou Bhad Bhabie não causariam tanta repulsa.

A canção mais aguardada era a famosa ‘title track’, ou a faixa que seria aquela promovida no lançamento do disco. O cargo ficou para ‘Lovesick Girls’, que trouxe um dos vídeos mais bonitos da carreira das garotas, mas que deixou a desejar como música. Está longe de ser um dos piores momentos, mas é com certeza o mais desanimador. Seu som é genérico e o apelo para o refrão ecoado como um hino causa apatia e até indiferença. É possível encontrar pelo menos uma música assim na discografia de cada grande grupo de K-Pop, e se BLACKPINK achou que poderia fazer o mesmo com uma qualidade superior, houve um pequeno engano.

É preciso entender que mesmo com uma sequência de singles beirando a perfeição BLACKPINK também pode cometer alguns deslizes. Felizmente o total não se torna intragável devido seus ótimos momentos musicais em formato de canções inéditas, mas quando quase metade de um projeto tende a desanimar altos picos que vieram minutos atrás, a sensação de que faltou personalidade para algumas coisas deixa dúvidas no ar.

Ao contrário de alguns artistas mundiais, é impossível não pensar na influência da gravadoras sobre questões artísticas em atos musicais sul-coreanos quando avaliamos um trabalho. Prova disso é o marketing sobre como vender artistas que cantam em língua asiática ter dado certo, o boom do K-Pop persiste, fazendo com que aqueles que chamavam de moda passageira entendam de uma vez que a nova geração escuta e lida com música de forma diferente. 

Mas até que ponto vale transformar algo que sempre foi tão único para se adequar a padrões? O preço são participações de peso, e o custo disso é arrancar a personalidade de uma forma que parece que estamos assistindo algo ser moldado do zero. Mesmo com seu nascimento em uma era já quase totalmente americanizada na música coreana, sempre foi possível ver que o famoso slogan ‘BLACKPINK is the revolution’ não era mentira. Atualmente elas são o maior poder em forma de girlband no mundo, e a partir deste lançamento a tendência é que isso se torne ainda maior. 

A sensação que fica é que existe algum motivo específico pelo qual o projeto não deslancha o quanto deveria, algum bloqueio que foi deixando tudo cada vez mais difícil com o passar dos anos de espera. Se por um lado ele trás uma grande sobrevida a um grupo marcado por gerações que simplesmente decide acabar, por outro ele também tira um pouco daquele status quase cabal que elas sempre atingiam. 

Apesar de trazer um dos seus melhores momentos (e algumas decepções) em forma de música, o que ‘The Album’ realmente faz é marcar o agora como o divisor de águas da carreira, tanto de forma profissional quanto na questão musical para quem as ouve. A partir daqui nada será como antes, e cabe fazer um balanço para determinar onde um ato que alcançou o mundo ainda pode chegar. Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé precisam ser a linha de frente dessa revolução, e não o seu maior sacrifício.

Nota do autor:
69/100

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