Crítica | A cinebiografia The United States vs. Billie Holiday coloca discurso político em segundo plano

Cinebiografia de Billie Holiday foca mais em problemas pessoais e românticos da cantora do que no seu potente discurso político

As cinebiografias são, há algum tempo, presença constante na cerimônia do Oscar. Entretanto, mais de uma vez, o esvaziamento de questões importantes inerentes aos biografados impediram que a grandeza desses artistas fossem transmitidas para as telas do cinema. Isso aconteceu em Bohemian Rhapsody (2018), em Judy: Muito Além do Arco-Íris (2019) e, mais uma vez em The United States vs. Billie Holiday (2021), que ganhou indicação para a categoria de melhor atriz na edição de 2021 pela interpretação de Andra Day no papel principal.

As biografias, tanto na literatura quanto no cinema, possuem técnicas narrativas diferentes das utilizadas na ficção. Poucas são as vezes que a história de um personagem real consegue ser tão dinâmica quanto a de um protagonista criado para seguir a tradicional jornada do herói, de Joseph Campbell. Dessa forma, para construir um filme que seja interessante ao público, mais do que a vida e a obra do biografado, é fundamental abordar o contexto histórico e social de sua época.

No caso de Billie Holiday, principalmente, é impossível separar a sua história desse contexto. A maior cantora de jazz da história dos Estados Unidos insistiu em interpretar a música Strange Fruit – um protesto contra o linchamento de pessoas negras no país – em uma sociedade marcada pelo racismo e pelo separatismo entre negros e brancos. Como resposta, o Departamento Federal de Narcóticos dos Estados Unidos iniciou uma verdadeira perseguição contra a Holiday, utilizando sua dependência em drogas ilícitas como uma forma de descredibilizar os seus posicionamentos.

O filme, que começa abordando essa questão e carrega como título a rivalidade entre um país reacionário e a resistência política de Holiday, acaba desviando de sua proposta. Todo o viés político é esvaziado em detrimento aos problemas pessoais da cantora. É claro que esses problemas pessoais também são importantes e fundamentais na construção da personalidade da artista. Entretanto, é nítido que tais problemas foram abordados de forma desconexa ao longo da narrativa. As tramas se misturam de forma frenética e confusa durante todo o filme.

O diretor cai na previsibilidade de esvaziar o discurso complexo de uma personagem histórica importante com o o suposto romance da cantora com Jimmy Fletcher, um agente federal que tinha como objetivo investigar Holiday, mas acaba se apaixonando por ela. As discussões fundamentais que a vida de Holiday poderia levantar são substituídas por um romance raso e pouco cativante. É sem dúvida uma quebra de expectativa, uma vez que o diretor Lee Daniels já trabalhou tão bem com essa temática no filme Preciosa – Uma História de Esperança (2009).

O ponto forte do filme é Andra Day. A cantora estreia no cinema com uma atuação impecável e é candidata ao prêmio de melhor atriz no Oscar de 2021. Em um ano em que a Academia tentou aumentar a diversidade racial em suas indicações, seria simbólico e importante premiar uma mulher negra que representou em tela a cantora que foi considerada uma das mais importantes vozes no jazz e na luta pelos direitos civis do povo negro.

The United States vs. Billie Holiday não foi indicado a melhor filme e nem se mostrou competente para isso. A Voz Suprema do Blues, outro esnobado na categoria principal e com proposta semelhante à cinebiografia de Holiday, é mais propositivo e bem organizado. A questão aqui, entretanto, é a atuação irretocável de Day que dá alma para um filme pouco memorável. Ela e sua atuação fazem com que a experiência dos espectadores seja, no final, mais positiva do que negativa.

Nota do autor: 60/100

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