Crítica | Kali Uchis, “TO FEEL ALIVE”

Uma das poucas coisas que a pandemia anda proporcionando é o quanto artistas estão se sentindo inspirados enquanto em quarentena. Entre centenas de lives solo ou participantes de eventos beneficentes, algumas pessoas também tem criatividade de sobra para produzir música. O isolamento (seja coletivo ou não) em si já não é novidade quando se fala em gerar materiais de qualidade altíssima, vide exemplos clássicos como ‘Rumours’ do Fleetwood Mac até algo contemporâneo como ‘For Emma, Forever Ago’, de Bon Iver.

No caso de Kali Uchis, o termo isolamento é ironicamente a tradução de seu último e aclamado álbum. Não sendo uma estranha sobre tocar no tema, a artista decidiu que iria produzir um EP durante o triste momento em que o COVID-19 está em alta. Durante o anúncio, ficou bem claro quais eram as intenções de Kali com TO FEEL ALIVE… apenas dar um gostinho musical sobre o que ela anda fazendo, sem existir pretensão alguma para hits ou conseguir um bom dinheiro com isso.

Gravado da forma mais ‘quarentena’ possível, em casa e sozinha, o EP oferece quatro faixas curtas para apenas demonstrar a liberdade de expressão musical. Em “honey baby (SPOILED!)” e “Angel” a cantora resgata demos antigas, de antes do lançamento de seu primeiro trabalho ‘Por Vida’, de 2015. O que Kali faz muito bem é atualizar a sonoridade para algo que pareça encaixar em qualquer um dos seus lançamentos, porque as duas músicas são exatamente como o conceito que a capa passa, uma relação entre duas Kalis.

A quarentena proporciona liberdade criativa forçada, mas para Kali Uchis isso acontece da forma mais natural possível.

A analogia do ato sexual envolvendo duas eras é a melhor forma de deixar isso bem claro. A musicalidade da cantora é uma constante metamorfose, mas sempre adaptando o que ela já fazia no passado. Suas raízes nunca fogem, são apenas incorporadas em novos sons. O melhor momento do EP é em “i want war (BUT I NEED PEACE)”, a produção (que lembra Bossa Nova) de Sounwave, figura carimbada dos trabalhos de Kendrick Lamar, casa perfeitamente com a melancolia da voz.

A faixa é a definição de uma palavra que anda se tornando um sub-gênero, o ‘chill’ e que poderia facilmente ser encontrada naquela famosa playlist de lo-fi do youtube. Esse som, que vem se tornando o queridinho em playlists de streamings, é a base do EP, e funciona tão bem que mesmo não sendo non-stop é fácil do ouvinte se perder em que música está.

Fechar com “TO FEEL ALIVE”, que fala sobre amor, mas que poderia servir como um clamor pelo fim do isolamento foi a melhor opção, e a melhor coisa é saber que essa foi feita inteiramente por Kali. A cantora mostra que também sabe ser uma ótima produtora, colocando um clima minimalista que poderia ser facilmente um outro para o álbum caso não existissem os vocais.

O que fica deste trabalho é poder imaginar as 4 faixas como uma prévia de um futuro álbum. Tudo que é proporcionado é maravilhoso… talvez faltou um pouco de espanhol nas músicas, já que ‘spanglish‘ é algo que a cantora disse estar experimentando. Mas é dever lembrar que isso é apenas uma liberdade de expressão, não se pode exigir muito de algo feito durante o tempo que passamos, mesmo que o resultado seja algo acima da média. O difícil é se livrar do costume de ser servido com músicas tão boas, algo que Kali Uchis insiste em fazer.

Nota do autor:
73/100

Ouça “TO FEEL ALIVE” da Kali Uchis:
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→ Apple Music

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