Crítica | Chloe x Halle, “Ungodly Hour”

A maior dificuldade sobre trabalhar em dupla pode ser aceitar ou ter que abdicar de desejos e ideias unilaterais. O que significa que, não é nada fácil pensar em conjunto para saber o que deve ser colocado em um projeto. Em alguns casos podemos ver como a sintonia define exatamente de que lado vem o que, e como cada coisa será adaptada para que se chegue em um resultado final competente.

O que Chloe x Halle fazem é isso, cada uma das irmãs tem um tipo de inspiração diferente… enquanto Chloe Bailey tem uma visão mais contemporânea e alternativa, Halle Bailey tem sua inspiração vinda de épocas clássicas e sons considerados mais ‘cultos’.

O diferencial é saber exatamente o limite de quanto cada uma das mentes vai trabalhar juntas, e abrir a cabeça para a musicalidade da outra parte. E mais do que isso, se fundir de uma forma que não vire uma bagunça sem coesão. Se no segundo álbum, ‘The Kids Are Alright’ tínhamos algo um pouco desconfortante nesse sentido, desta vez em Ungodly Hour tudo fica muito mais claro, fazendo com que o disco seja mais fácil para os ouvidos, mas não de um jeito básico, e sim de uma forma quase que transparente de tão clara.

Não satisfeitas em apenas cantar, a dupla também mostra que produzir o próprio material é a maneira perfeita de expressar a musicalidade real.

Não existe melhor maneira do que começar o álbum do que com uma ‘Intro’ de harmonias invejáveis, e em um momento que parece que ouvintes comuns se chocam com transições tão simples, aqui também temos algo do tipo quando ‘Forgive Me’ começa. A escolha para single é bem acertada, já que é uma das melhores do álbum. E o vídeo contribui muito para a estética cheia de vinil preto e uma pitada de sci-fi.

É também uma das poucas canções que não tem o dedo das irmãs na produção, algo muito recorrente desde o primeiro álbum. A surpresa é perceber a técnica e talento das duas (principalmente Chloe) em assumir esse trabalho, o que já pode ser ouvido em ‘Baby Girl’, que mostra que uma boa produção de vocais podem transformar uma batida básica em algo muito maior. 

Em ‘Do It’ tivemos a primeira grande apresentação da era, a paleta que abusa de bronze e ouro somado aos efeitos de glitch do vídeo foram uma pegada um pouco diferente do que víamos na estética do disco anterior, mas que não é uma total surpresa, já que remete um pouco ao que vimos no vídeo de Drop. A extravagância controlada também está na música, que é uma das melhores opções para quem quiser entender as referências do duo. ‘Tipsy’ é a mais divertida do álbum, e mesmo não sendo uma das melhores é uma das que mais agradaria comercialmente.

O grande momento do álbum acontece na faixa título ‘Ungodly Hour’. A surpresa de ver a dupla de música eletrônica Disclosure produzindo para as meninas tem um resultado maravilhoso e de classe. Sendo esse o único momento que temos uma pequena fora da curva em todo o trabalho, mas que em nada soa como algo destoante. É a prova da inteligência musical dos quatro envolvidos, em adaptar tão bem duas sonoridades distantes através de harmonização, notas mais baixas e um pouco de sussurros.

O balanço entre R&B pesado, mid-tempos e uma pitada eletrônica reflete o alcance de gêneros que Ungodly Hour alcança com qualidade.

A sequência com ‘Busy Boy’ já é algo completamente diferente, graças a produção de Gritty (este já acostumado a trabalhar com a cantora H.E.R.). E a decisão de colocar essas duas faixas coladas é a melhor prova da versatilidade que os vocais podem se adaptar a estilos, apesar da canção ter uma liderança maior na batida.

A música mais esquecível também é a única do Ungodly Hour com participações. ‘Catch Up’ não chama atenção, mesmo com as participações de Swae Lee e Mike WiLL Made-It. Podendo facilmente ficar de fora, principalmente quando uma interlude menor de um minuto acaba parecendo algo muito mais agradável, em comparação a ‘Overwhelmed’.

A sequência que fecha o Ungodly Hour é disparado a melhor parte em conjunto. O começo do fim em ‘Lonely’ não tem uma pegada pesada nas batidas, mas opta por melodias mais sensuais. ‘Don’t Make It Harder On Me’ e a magnífica ‘Wonder What She Thinks of Me’ soam como músicas inspiradas no álbum clássico das Destiny’s Child, ‘The Writing’s on the Wall’. As duas até parecem canções irmãs, que poderiam funcionar muito bem juntas como uma faixa longa.

Finalizando com ‘ROYL’, a música abusa de camadas que soam como um coro no refrão, adicionando mais uma a lista de músicas para balancear entre as mid-tempos que vieram antes.

A maturidade de Chloe x Halle só é possível devido ao controle que possuem sobre que tipo de artistas elas são.

É muito comum esquecer que Chloe x Halle tem 21 e 20 anos de idade, respectivamente. A maturidade que elas expressam sua música é tão grande que parece que estamos lidando com mulheres que possuem muito anos de carreira. E as irmãs possuem sim, uma grande ligação com a música desde muito cedo, mas fazer o que elas fazem sem nem estar próximas dos 25 é de uma proeza enorme.

Desde sua descoberta através do seus covers no YouTube, a pressão para que elas pudessem exercer o talento e a técnica oficialmente era enorme, então qualquer passo que as levasse para uma gravadora ou um time diferente poderia levar sua musica a um limite empresarial.

Alguns podem dizer que graças a Beyoncé e sua Parkwood Entertainment tudo isso foi possível, mas o correto é dizer que graças a liberdade dada pela superestrela é que conhecemos o duo da exata maneira que elas querem aparecer para o mundo. Ter o domínio de uma carreira com pouca idade é para poucos.

Todo esse poder só necessita de um filtro, para que sempre seja possível aperfeiçoar lançamento após lançamento. O resultado aqui é um controle tão harmônico que transcende as vozes e entrega visual, coerência e atitude. Mas também o melhor de tudo; Ungodly Hour é a prova de que é possível fazer tanto e ainda sim fazer tudo isso de forma maravilhosa.

Nota do autor:
75/100

Ouça “Ungodly Hour” de Chloe x Halle:
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