Crítica | Yellowjackets transforma narrativa obscura, adolescência e canibalismo em algo viciante

Disponível no Brasil através do Paramount+, a série se passa em dois tempos diferentes e encanta acima de tudo pelo elenco

É muito complicado fazer com que a trama de um programa seja boa o suficiente para vender ao telespecatador a ideia de conteúdo que serve como puro entretenimento. “Yellowjackets“, programa original Showtime e que chegou em território nacional pelo Paramount+, compra para si esse desafio não uma vez, mas duas, já que se passa em dois planos diferentes de tempo: um contando a história do passado, e o outro selando o amargo do que já passou com o presente. Ou seja, ela possui o dever de entreter usando dois fios narrativos que ligam a um único fim. Felizmente a obra consegue acertar em todos os arriscados alvos que ousa marcar.

Contém spoilers leves

Na trama acompanhamos um time de jogadoras de futebol do ensino médio, as Vespas. Cercadas pelo amor da escola, elas conseguem chegar numa importante competição, o campeonato nacional. Mas na ida, o avião cai em uma região do Canadá isolada do mundo. O objetivo agora vai além de sobreviver ao que a floresta prepara, será preciso tentar compreender os pilares que complementam qualquer adolescente, situações envolvendo mentiras e os hormônios a flor da pele não saem de cena em nenhum momento. Mostrando o que aconteceu em 1996, a série se separa em uma outra narrativa, essa focada nas atletas já adultas, se reencontrando, e discorrendo todo o trauma que tal acidente causou.

Essa separação de contanção de histórias é todo o coração da produção, óbvio, mas acima de tudo, a história mostrada nas duas situações discorre por nossas mãos como se fossem dois personagens diferentes, mas que andam juntos. A narrativa híbrida entre o que aconteceu e o momento do presente ganha forma por elementos de drama, terror psicológico e mistério, envolta de uma compulsiva escrita que traça uma autêntica e arriscada trama envolvendo crença, canibalismo e adolescência,

Os flashbacks dividem a tela com a maior pergunta que a cidade faz diante do que de fato aconteceu na deserta floresta: o que foi preciso para sobreviver? É impossíel não se sentir instigado pela veracidade do roteiro e se questionar o mesmo a cada nova descoberta.

A medida que caímos nas circustâncias envolvendo o tal clã mostrado logo no primeiro momento do episódio piloto, uma chama de curiosidade é muito bem atiçada. O desenvolvimento perante esse núcleo oscila o tempo todo, gerando dúvidas e proporcionando a acidez necessária para provocar e nos fazer ir até o fim. Porém, há vezes que diante da mínima revelação, a coisa pareça um pouco mal engatada, trazendo a sensação de impaciência à tona. Ousaria até dizer que são momentos como esses que não nos abastecem o suficiente para ficar de olho na tela — alguns episódios a menos, talvez dois, iriam surtir uma diferença grande na digestão de tudo que é construído.

Ainda assim, muito do que envolve o acidente de avião cria um breve alerta não só no que foi necessário ser feito no passado para os personagens sobreviverem, mas também para o que está acontencendo com o grupo principal, 25 anos depois.

Muito da potência da série se concentra no elenco. As semelhanças anatômicas e mentais entre as diferentes passagens de tempo é enorme e beira o surreal. É como se de fato Melanie Lynskey fosse a Sophie Nélisse adulta (trabalho incrível das duas, por sinal). Esse fator fica ainda melhor alinhado com todas as problemáticas que o miolo desses personagens possuem, e nós, telespectadores, fazemos uma ótima leitura de um tipo de trauma imprudente devido a uma fascinante profundidade sublinhada nos capítulos.

Todos os problemas envolvendo a trajetória de crescimento dos personagens vão além do horizonte usual. Em “Yellowjackets” temos um plano de fundo muito bem montado, onde a típica e mais usual influência de programas como “Lost” passam despercebidas quando encontramos um elenco estridente e uma ressonância alta e clara de narração de fatos.

Yellowjackets está disponível na Paramount+ ou no Prime Vídeo através Channels.

Nota: 80/100

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