Na indústria fonográfica é coisa comum mudar sua sonoridade ao longo de sua discografia. Algumas mudanças são homeopáticas, como o Bring Me The Horizon incorporando um rock melódico em That’s The Spirit (2015) ou o Paramore acenando para o indie com After Laughter (2019). Outras são bem mais diretas, vistas por exemplo no Tranquility Base Motel & Casino (2018) do Arctic Monkeys ou na guinada que Taylor Swift deu para o pop com1989 (2014).
Mas uma coisa é certa – o que soa paradoxal –, é uma incógnita saber como essas novas direções serão recebidas por público e crítica. Porém, com Currents do Tame Impala, que completa 10 anos, a conversa é diferente. Haja vista a influência que esse álbum carrega até hoje, seja na própria indústria ou na cultura pop no geral, de cara já dá pra perceber que a mudança que Kevin Parker atribuiu para esse trabalho comparado com seus anteriores foi a melhor decisão de sua carreira.
De fato Currents até carrega referências tanto do InnerSpeaker (2010) e Lonerism (2012), mas, ao invés de dar continuidade em uma crescente de conceitos e referências, Tame Impala dá um salto maior que a perna e crava na aterrissagem. A psicodelia ainda está presente porém, ao invés de remeter aos anos 60, onde era mais celebrada, o registro tem uma característica puramente oitentista que funde o R&B e a Disco Music com o indie-pop com pitadas de eletrônico, muito antes do estilo estourar com os artistas pop do período pandêmico.
A principal razão para o som do Tame Impala não ser igual ao de antes é porque aqui nem mesmo Kevin Parker se assemelha com seu eu dos álbuns anteriores. Produzido inteiramente por ele – o que resultou em uma piada interna nos ouvintes –, Currents grita ser um álbum pós fim de relacionamento e toda a obrigação por novos ares que esse período demanda. Como as madeixas de Kevin Parker seguem belas e intactas, o disco pode ser entendido como o corte de cabelo drástico que sempre vêm junto com um término.
Nessa nova configuração o eu lírico se encontra bem mais sensível às percepções a sua volta, ora se perdendo na quantidade de informação, ora se entendendo novamente como pessoa. Isso fica perceptível na dubiedade de faixas como “Let it Happen” e “Yes, I’m Changing”, por exemplo.
Na primeira, a própria produção faz com que ela seja tão acelerada que a letra discorre sobre alguém paralisado com a velocidade e efemeridade que só deixa as coisas acontecerem Já a segunda, mesmo com maior cadência, passa também uma imagem de movimento replicada com o barulho da cidade na faixa, mas, dessa vez, para mostrar que o eu lírico saiu do lugar comum e está mudando.
Aliás, é interessante notar como o trabalho de Kevin Parker intercala entre transmitir emoções através de suas letras e de preencher espaços. A voz do artista, quase sem oscilações, ao mesmo tempo que transmitem uma sensação de lamento, ecoam no ouvinte como um espécie de transe, porém, a instrumentação, mesmo que por vezes simples, chega com seu baixo carregado e mercado, como no hit “The Less I Know The Better”, ou com suas bateria e sintetizadores martelados, caso de “Eventually” e expandem a percepção de quem a ouve, emulando uma viagem alucinógena que o disco sabe dosar bem para não se tornar uma bad trip.
A excelência de Currents, à medida que o tempo passa se torna cada vez mais indiscutível, não à toa, a comparação com álbuns do mesmo recorte temporal e mesmo impacto, como o Random Access Memories do Daft Punk, são extremamente acertadas. Envelhecendo como vinho e disseminando referências até hoje, o disco e o trabalho de Kevin Parker provam o ponto de seu título e, 10 anos depois, são mais atuais do que nunca.