Crítica | 10 anos do “Body Talk” da Robyn

Após dez anos de existência, Body Talk é a prova viva de que apenas uma artista como Robyn saberia agir diferente dentro da própria bolha.

Quando um artista lança uma coletânea o que esperamos é uma escolha apurada das melhores coisas que foram lançadas até então. Selecionar entre as faixas para que participem de uma forma coesa de toda a formação da tracklist. É até golpe baixo utilizar um álbum que contém (em tese) as mais significativas músicas de alguém para debater sobre a qualidade.

Tecnicamente aquele seria o melhor disco lançado, já que contém as melhores gravações… mas isso não funciona de forma tão simples assim. A curadoria do que entra e o que fica de fora é a parte complicada, e isso se torna um trabalho muito mais árduo quando o material usado como base é muito bom. Para dificultar mais ainda, imagine ter que selecionar entre dois mini álbuns quais serão as escolhidas?. Foi desta forma que em 22 de Novembro de 2010 o disco Body Talk da cantora Robyn foi concebido. 

A decisão sobre o que incluir foi baseada em dois trabalhos, enquanto o terceiro surgiu na mesma data do projeto principal, com o resto do conteúdo que foi adicionado. Após o sucesso do álbum homônimo em 2005, era o momento da artista entender e definir o que ela queria mostrar, e a gana para soltar suas novas músicas era tão grande que não foi preciso definir o próximo projeto como algo comum. Começando em junho daquele ano com a primeira parte da trilogia, a intenção era apenas lançar músicas, e não definir um grande conceito. Mas o que começou como uma ideia que teria como objetivo apenas matar o tédio, acabou se tornando um dos discos mais potentes dos últimos anos.

Body Talk sabe se segurar muito bem e nunca parece se cansar, ou o ouvinte.

Durante suas quinze faixas não existe um momento em que Body Talk demonstra estar cansado, desde a decisão de onde encaixar cada uma já percebemos que um dos seus sentidos é nunca morrer para os ouvidos de quem o escuta. O flerte com a tecnologia está presente durante letras, vozes quase robóticas e entonações que tendem a confundir entre afinação e sintetizador. Logo na primeira faixa temos uma apresentação que serve para definir o que acabou de começar, em ‘Fembot’ ela canta que o modelo mais recente acaba de sair da caixa, como que dizendo ao ouvinte que na próxima hora ele vai aproveitar de algo novíssimo… como um brinquedo musical bem singular. 

Esta palavra é justamente é uma das melhores definições que podem ser aplicadas a tudo que toca, e aquela que mais representa a singularidade é ‘Don’t Fucking Tell Me What To Do’. É impossível ouvir seus versos e não lembrar de ‘my drinking is killing me’ horas depois, isso é o quanto a sua letra hipnótica entra na cabeça e continua lá por um bom tempo. A decisão por uma faixa tão atordoante logo no começo soa até um pouco arriscada, mas essa parece ser um pano de fundo para todo o restante que vem a seguir.
 
Antes de citar as três maiores da obra é preciso dar um pulo para o momento que demonstra o quanto Robyn sabe ser diferente dentro da sua própria bolha. Quando chegamos na faixa nove é quando estamos próximos de experimentar tantas sonoridades em tão pouco tempo, que a sensação é de que ouvimos cinco discos em cerca de quinze minutos. O combo ‘None of Dem’, ‘We Dance To The Beat’, ‘U Should Know Better’ e ‘Dancehall Queen’ não lembra tanto a pegada geral, mas concede quatro momentos tão distintos que juntos parecem se tornar um só. É como se no meio do álbum a intenção fosse fazer uma mini mixtape e apenas experimentar.

Mas as experimentações de Robyn são corajosas, não em razão de fugirem um pouco do comum mas sim pelo fato dela conseguir implantá-las em um estilo tão condensado. A mesma ‘bolha’ que ela trabalha parece ser feita de silicone… ela se estica, transmuta, muda sua direção(…) mas nunca destrói sua base.

Uma das razões pelo qual sentimos esse efeito é graças a colaboração com o produtor Klas Åhlund (integrante da banda Teddybears). Sua produção mais conhecida fora dessa parceria pode ser considerada ‘Piece of Me’ da cantora Britney Spears (faixa essa que contém backing vocals da própria Robyn). É difícil categorizar Åhlund de uma forma precisa, sua base pode ser o eletrônico, mas as nuances que ele explora são incontáveis. E felizmente ele sofre do mesmo ‘bem’ que a parceira musical, saber muito bem implantar sua personalidade sem se perder na própria musicalidade. 

A escolha dos singles é um dos maiores acertos de todo o projeto, ‘Indestructible’ tem uma das produções mais viciantes, que até remete um pouco a ‘Criminal Intent’, faixa da segunda parte que infelizmente ficou de fora da compilação. Curiosamente está foi a primeira gravação de todo o trabalho, mas que pode justificar sobre toda sua sonoridade, já que soa como uma faixa mãe, ou um amontoado de todas as ideias que seriam distribuídas e utilizadas em outras Em ‘Call Your Girlfriend’ o vídeo transformava a música em um projeto de viral, isso graças a sua coreografia que ficou tão marcada em apresentações ao vivo. Mas um grande marco deste projeto foi dar vida a uma das maiores músicas pop de todos os tempos: ‘Dancing on My Own’.

A facilidade de colocar seu amor em melodia, mesmo não sendo tão aberta sobre sua vida pessoal, é uma habilidade única de Robyn.

Desde o seu lançamento na parte um, a aclamação com a música veio por todos os lados.  Desde a letra, triste e objetiva sobre encontrar um antigo amante dançando com outra pessoa, até a produção impecável. assinada por Patrik Berger (que anos depois faria ‘I Love It’ do duo sueco Icona Pop, outro hit eletro pop contagiante). Desde sua montagem toda a experiência foi algo diferente, sua base foi criada no violão (além de não ter sido feita em parceria com Klas Åhlund). Além disso todo o processo criativo até o resultado final foi algo trabalhoso, até mentalmente já que Robyn pode ter adaptado um pouco da sua própria vida amorosa para contar a história. Dancing on My Own é um exemplo de algo que foi feito para chegar a uma obra sem defeitos, onde cada palavra e looping utilizado deveriam casar perfeitamente com o sintetizador e a melodia. O resultado é justamente a perfeição.

Após dez anos de existência ainda é possível ouvir Body Talk como se ele houvesse sido lançado semanas atrás. Sua atemporalidade é prova de quanto o projeto foi algo tão bem executado por Robyn e os parceiros musicais envolvidos. O disco vai além de ser apenas algo pop e eletrônico, se tornando uma história sobre decepções e antigos amores, enquanto passeia por pontos que tendem a demonstrar que ele pode ser tão divertido quanto sério. É ótimo para ouvir em momentos de solitude e divertimento, mas seu maior fator é despertar emoções que o ouvinte até então poderia não estar acostumado. Independente do primeiro play ser dado graças a um sentimento bom ou ruim, é impossível não chegar ao seu fim com a maior sensação de euforia que poderia ser sentida.

Nota do autor: 98/100

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