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Crítica | Katy Perry, “Smile”

Com “Smile”, Katy Perry nos convida a uma reflexiva jornada de resiliência em busca de seu sorriso aos sons dançantes de músicas pop óbvias, mas que marcam uma incrível evolução e nos relembra do motivo da cantora ser uma diva pop consagrada

A cantora Katy Perry oficialmente voltou a sorrir com o lançamento de seu novo álbum de estúdio, “Smile”. Sucessor do polêmico e traumático “Witness” (2017), temos aqui uma artista mais crua, retirando camadas melancólicas e empenhada em se redimir consigo mesma. Isso em uma sem ana que foi bem especial para ela, já que comemorou os 10 anos de “Teenage Dream” e deu a luz à sua filha Daisy Dove Bloom.

Vimos nos últimos anos a cantora, dona de hits históricos como ‘Roar’, ‘Dark Horse’ e outros, virar “Katy, a Piñata” para a mídia e até mesmo para alguns de seus fãs. O fracasso comercial do injustiçado “Witness” tirou o nome de Perry dos principais charts que costumávamos vê-la liderar. Mas apesar de uma era conturbada, vimos também uma estrondosa evolução dela como artista.

Katy Perry publicity photo CR: Christine Hahn

Apesar de cair em um lugar comum em boa parte do disco, em “Smile”, a cantora acerta em não largar mão dessa evolução e do estilo que veio construindo, utilizando isso para apenas confirmar que ela continua com sua essência Katy Perry de sempre. A maior diferença sentida aqui, é que, se antes ouvíamos apenas algumas canções introspectivas em seus trabalhos anteriores, neste temos a maior parte do conteúdo baseado em batalhas internas ou pelo menos em seus sentimentos amorosos.

Desde 2019 ela já vem liberando algumas músicas, trazendo à tona conflitos contraditórios (possivelmente entre ela e a gravadora), quando supostamente não teria a intenção de lançar um álbum, e sim alguns singles descontextualizados e que mostraram várias facetas de sua musicalidade: ‘Never Really Over’, ‘Small Talk’, ‘Harleys In Hawaii’ e ‘Never Worn White’. Se talvez seria algum medo por parte da gravadora enquanto não tivéssemos um hit não saberemos. Mas por fim, a cantora aproveitou algumas e acrescentou ao seu tão aguardado quinto trabalho de estúdio.

Com uma essência visual circense, o nome e a proposta da capa nos levam para uma Katy como uma palhaça triste. Em entrevista à Billboard, Katy afirmou que o álbum se trata de um disco “esperançoso, resiliente, alegre” e sobre a própria jornada de atravessar o inferno. Trazendo uma incrível leveza, o disco é o casamento de um pop na maioria das vezes óbvio, letras impecáveis e uma alta probabilidade de identificação instantânea por parte do ouvinte. O que de alguma forma soa como uma tentativa um pouco enrustida de agradar sim ao público.

Lançado em uma ocasião em que todos precisamos de um sorriso, o carisma de Perry transborda nas letras mais obscuras e em vocais poderosos, que inclusive merecem ser destacados como os melhores de sua carreira. Seguindo as “cartilhas do pop”, a grande cartada aqui foi se despir dos hits divertidos e com temperos picantes, para se mostrar vulnerável. E mesmo assim, em faixas tão diferentes umas das outras e com algumas que pedem para ver a luz das rádios.

A primeira delas é a já bem conhecida há mais de um ano, ‘Never Really Over’, que abre o disco (com uma certa alegria contraditória) em uma mistura de um pop extremamente comercial e uma melodia oitentista. O destaque da música vai para um pós-refrão rápido e dançante com toda a fluidez dos anos 80, além do toque disco que Katy já nos mostra que sabe fazer muito bem há uns bons anos. Surpreendente não fez um sucesso gigantesco como aponta seu potencial.

Sem dúvidas uma das melhores músicas da cantora e até mesmo do ano, ‘Cry About It Later’, é a prova que a genialidade da artista está mais aguçada do que nunca: um refrão chiclete para uma letra triste e que soa como um verdadeiro hino pop. As guitarras após a ponte incendeiam o final da canção e remete a algo que Katy poderia ter feito em seu primeiro álbum, “One of The Boys” (2008). Seria o começo mais triunfal que o trabalho poderia ter. É uma animada música sobre como consertar um coração partido. O destaque vai para o perspicaz trecho: “Acho que estou pronto para ser a nova musa de alguém. Acho que estou pronto para uma tatuagem totalmente nova”. Aqui, ela faz uma referência ao seu hit de 2010, ‘The One That Got Away’, em que fala sobre uma desilusão amorosa de ter sua tatuagem em comum com um ex apagada por ele e não ser mais sua musa.

‘Teary Eyes’ soa como um filho de “Prism” (2013) e “Witness”, apenas reforçando sua maturidade constante. Assim como a faixa anterior, é totalmente radiofriendly. Perfeita para as baladas, uma sofrência pop de primeira. A letra aparenta ser uma segunda parte da famosa ‘Firework’, mas aqui falando de si mesma e de que mesmo passando por algo doloroso, suas lágrimas vão secar.

Na sequência, a também veterana ‘Daises’ muda o clima e nos proporciona uma poderosa balada em resposta a tudo o que passou nos últimos anos. Em uma produção mais mid-tempo e guitarras, protagonizando em conjunto com os vocais mais fortes em anos, somos conquistados por uma faixa incrivelmente emocional. “Eles me disseram que eu sou louca, mas nunca vou deixar que eles me mudem. Até eles me cobrirem de margaridas”.

‘Resilient’ é um verdadeiro refresco para o pop de 2020. Não é o tipo de música com um brilho próprio, porém, os violinos e as sensações que a canção causa dão um respiro importante, e soam como uma pequena fuga do mainstream. O que muda completamente em ‘Not The End of The World’, que apesar de uma certa pitada experimental, nos faz lembrar de algumas canções famosas como ‘Black Widow’ de Iggy Azalea com Rita Ora, ou até mesmo o próprio smash hit ‘Dark Horse’. Além de crescer ao longo de sua duração, a faixa conta com uma das letras mais profundas e pessoais do disco, ainda com o tema de autocura.

A faixa-título, ‘Smile’, é uma disco music com um tempero funk da melhor qualidade. E também é uma das mais destoantes do trabalho e a que mais tem brilho próprio. Em alusão aos problemas com depressão e de ter perdido seu sorriso, por meio desta canção dançante, Perry narra sua longa jornada até encontrar razões para sorrir novamente.

Nesta mesma vibe ‘Champagne Problems’, nos apresenta um jogo de versos que casou brilhantemente com os vocais de Katy e criaram elementos altamente interessantes. Sintetizadores retrôs, o baixo com muito swing e a bateria marcante servem um dos pontos altos de sua carreira.

Em ‘Tucked’ temos um dos poucos momentos daquela Katy Perry clássica e divertida, falando sobre ter uma fantasia louca com uma pessoa com quem nunca pode estar. Parecendo em alguns momentos uma cantiga infantil, nos remete ao deboche tão característico desde a época do EP “Ur So Gay” (2007). Não é o tipo de faixa tão óbvia dentro do projeto e esse é o fator que mais impulsiona a música.

Bem distinta da anterior e lançada há um bom tempo, ‘Harleys In Hawaii’ carrega em sua energia tropical e paradisíaca, uma das melhores canções já cantadas por Perry. A voz marcante da cantora encontra aqui espaço para variações desde notas altas ao grave mais sexy. Com uma melodia mais adulta e perfeita para a estrada, a letra possui uma fluidez impecável composta pela artista em parceria com Charlie Puth. É o tipo de música impossível de não ficar na cabeça.

A suave e delicada ‘Only Love’ é um genuíno hino de amor próprio que volta a trazer um frescor mid-tempo e acalma os ânimos para um encerramento, além de ser um dos grandes destaques. 

E de um jeito brilhante, introspectivo e grandioso o álbum é encerrado com a balada com uma pegada country-folk ‘What Makes A Woman’. Tema recorrente na discografia da artista, aqui ela questiona as suposições mais comuns sobre o que define uma mulher. É um jeito perfeito de finalizar uma obra como essa, de um modo simples, pessoal e muito emotivo de uma forma positiva. “É a maneira que mantemos o mundo inteiro girando em um par de saltos? Sim, é isso que faz uma mulher. Aí está, Katheryn”.

O disco “Smile” pode não ser o maior de sua carreira, e pode não trazer as músicas surpreendente gigantescas que estamos acostumados vindo de Katy Perry. Mas desde sua concisão por ter apenas 12 faixas, até o enredo extremamente incisivo de autocura que percorremos em conjunto com a artista, em nenhum momento ficamos estagnados no mesmo lugar e entediados com alguma espécie de clichê. É um álbum leve, com uma excelente produção, dançante, que nos convida a mergulhar dentro de nós mesmos e a deixar no repeat fazendo qualquer coisa como beber, trabalhar, faxinar a casa, dançar na balada e por aí vai.

E esse com certeza foi o maior triunfo da obra, seja na variedade sonora, no brilhantismo das letras, ou até mesmo nos visuais que a cantora está entregando. Que inclusive, está lançando aos poucos clipes para cada uma das músicas como “The Smile Video Series”. Podemos dizer que foi um maravilhoso acréscimo a uma discografia de uma diva pop que se consagrou como uma das maiores, e que com esse trabalho ainda mantém seu incrível legado, e claro, sorrindo.

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