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Crítica | Spencer desconstrói uma fábula sobre os estilhaços da dor

Dono da melhor perfomance feminina de 2021, longa biográfico sobre a Lady Di faz um retrato poético sobre a angústia

Houve uma crescente aptidão em torno do que seria a perfomance de Kristen Stewart em “Spencer“; e creia ou não, mas muitas pessoas (ainda dentro de uma bolha) refletem que a atriz dona de um César de Melhor Atriz Coadjuvante (o Oscar francês veio por “Acima das Núvens”) não é capaz de desempenhar uma intepretação sólida ou simpatizante com o que eles acham ser “essencial” para definir algo como bom.

Tal errada reprodução formou-se anos atrás com toda a repercusão que Stewart ganhou pós e durante a saga “Crepúsculo”. Não tendo que provar-se para ninguém, e muito antes do longa de Pablo Larraín tornar a atriz ainda mais visível ao mundo, é legítimo afirmar que em algum lugar aqui ou ali, ela é uma das mais especiais faces da representação do cinema atual em sinônimode atuação, e em seu desempenho como a apaixonante Lady Di, tal pódio fica mais brilhoso.

Antes de poder oferecer ao telespectador uma contemplação belíssima, esteticamente falando, Larraín deixa claro que seu projeto biográfico não passa de um tipo de uma “fábula de uma tragédia real“. É sim importante ressaltar que alguns dos acontecimentos da obra são apenas uma visão imaginativa sobre como Diana sentia-se diante de toda a brusca repressão que não fazia sentido ganhar sua obediência. Mesmo que algumas das retratações pareçam fantasiosas demais (ou não), há a constante sensação de sufocamento que nunca precisou do benefício da dúvida para saber que foi verdadeira e acima de tudo, cruel.

A representação das devastadoras sensações que acometem Diana alastra-se e acontecem pelas quase duas horas de filme no decorrer de três dias de festividades de Natal da família real britânica no ano 1991, são essas 72 horas que antecedem o fim do complicado casamento da amada Princesa de Gales com Charles, vivido por Jack Farthing. Somos induzidos por entre linhas tortas ao que a fez quebrar-se em estilhaços irreparáveis logo na primeira cena que Kristen aparece, e devido a tradução fantástica de tantos sentimentos solitários em meio ao desejo recorrente de fugir, a tristeza em saber o fim trágico de toda essa história é palpável e muito bem erguida.

O roteiro desenterra um ser humano acima de tudo, infeliz, tal ótica vem por através de fantasmas, analogias, quadros (a princesa de Gales aparece em inúmeras sequências em cômodos vazios e grandes, mas barbáros para a mente) e cores que reforçam sua solidão diante da superfície de um mundo assustador capaz de ser cortante tanto para a alma, coração e corpo. A ligação com Ana Bolena funciona como algo desafiador para uma narrativa que traça os lados de uma pessoa verídica, e não uma personagem, mas agrega em toda a visão exacerbada e que em nenhum momento precisa se redimir; mesmo sem sabermos se muito do que é mostrado aqui é verdadeiro, poder ver essa tradução hipnotizante dos fardos do passado (que é o futuro), presente e futuro que complementam negativamente Lady Di, é um pesadelo que ganha força a cada minuto.

Quem abre a cortina do espetáculo e nos coloca à frente dos conflitos internos é a sua estrela: Kristen Stewart com sua magnificente Diana Spencer. Assim que a atriz toma a tela para si por completo, qualquer um entende a invisibilidade que ela apropria-se, e os tons que vão moldar a sua interpretação tornam-se florescentes em meio ao opaco de toda aquela situação. Por experiência própria: já vi e primordialmente senti atuações esplendidas durante anos que vejo a sétima arte como uma experiência rotativa que sempre sobre e desce, mas essa foi a primeira vez, junto do desempenho de Stewart, que pude imergir totalmente no que torna uma performance tão vital e genuína.

A direção sucinta e impávida de Larraín (que lapida os sentimentos claustrofóbicos de uma realidade desumana) come toda a duração do longa, e junto da incrível exposição e execução de situações, a trilha que em certos momentos é cortante, o elenco de suporte, o tecnicismo para tornar cenas em debates, o uso dos ambientes e das câmeras, e a brilhante execução de Kristen Stewart como Lady Di, colocam “Spencer” em um espaço enorme para entender como a magia do cinema pode ser especulativa e ao mesmo tempo, veraz.

“Spencer” está em exibição nos cinemas brasileiros.

Nota do autor: 100/100

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