Alguém viu o “declínio” midiático do meteoro chamado Lady Gaga em 2013 e pensou que teria alguma solução? Uma salvação satisfatória que, bom, talvez nunca mais a levasse de novo para perto do sucesso estratosférico obtido entre 2009 e 2011, mas que talvez a deixasse soltar uma música ou outra a cada dois anos, onde comentaríamos mais sobre como ela era brilhante e fracassou do que suas tentativas de continuar produzindo?
Acho que é seguro dizer que sim, muitas pessoas se colocaram no lugar de subestimar a dona dos visuais malucos, das performances apelativas e da criadora de manchetes semanais, uma mais sem noção que a outra. E é mais seguro ainda afirmar que todas essas pessoas foram surpreendidas com uma volta por cima tão impecável, que até hoje surpreende a muitos na indústria.
Isso porque todo mundo que ouvia (ou analisava) os trabalhos radiofônicos de Gaga, especialmente aqueles que se depararam com a musicalidade eletrônica que pode soar até cacofônica presente em ARTPOP, se esqueceram de uma regra invisível que sempre pairou sobre a carreira da cantora. E a regra é simples: jamais, repito, jamais subestime Lady Gaga.
E foi quando, para quem pensava que tudo estava (quase) perdido, 2014 chegou como um dos anos mais decisivos para uma mudança chocante, uma limpeza de imagem e um redirecionamento de carreira que poucos manejaram com tamanho sucesso. E o álbum Cheek To Cheek nasceu como pontapé inicial desse percurso.
Parceria de Gaga com o veterano no jazz Tony Bennet, o álbum lançado em setembro daquele ano variava em versões com até 20 músicas, interpretadas em duetos e solos equilibrados de canções clássicas, históricas e amadas pelo público geral americano, e trouxe uma artista mais Lady, mas ainda irreverente, provocativa e inegavelmente talentosa. Destaque especial para as faixas Nature Boy, Anything Goes e I Can’t Give You Anything But Love, e os solos de Gaga: Evr’y Time We Say Goodbye, But Beautiful e Bang Bang (My Baby Shot Me Down).
As novas canções mostravam um lado pouco conhecido da artista: um que deixava a voz ecoar por mais lugares que as notícias escandalosas e as batidas eletrônicas, e chocou a muitos com a versatilidade e alcance vocal presentes nas faixas. Também com uma breve turnê, o álbum foi o responsável por afastar Gaga do pop e a toxicidade que acompanhava tais enredos, e dava espaço para mais respiro e recuperação de traumas e nebulosidades surgidas nos últimos anos, especialmente no período turbulento do ARTPOP.
Foi como se tal afastamento trouxesse Gaga, ou melhor, Lady, mais para perto de Stefani – nome de batismo da cantora, que havia tido aulas de piano e canto clássico desde muito nova. Esse contato com as raízes foram o que nos levaram ao experimental country e familiar de Joanne, que soava também como um teste de produção para trabalhos futuros (mas não menos bem sucedidos), como a trilha sonora de A Star Is Born, filme que ainda deu à cantora seu primeiro Oscar.
Ainda em Cheek to Cheek, a “era jazz” não apenas foi bem recebida pelo público geral e audiências mais maduras, ampliando e diversificando o público da artista, mas ainda foi aclamado pela crítica e rendeu à Gaga e Tony mais um Grammy em 2015, na categoria de Melhor Álbum Pop Vocal Tradicional. Com mais de 800.000 cópias vendidas apenas nos Estados Unidos, Cheek to Cheek fez com que Gaga se tornasse a primeira artista feminina da década de 2010 a ter três álbuns número um nas paradas, enquanto Tony Bennet estendia o próprio recorde como a pessoa mais velha a alcançar o álbum com número um nos gráficos.
Dúvidas de que essa era foi um de um sucesso estrondoso e importância impensável para a carreira da Gaga? Assista essa performance e surpreenda-se com um exemplo do que a torna uma artista tão única: seu talento.