Já era noite de domingo quando o público se aninhava nos arredores do Palco Primavera, um dos maiores no Distrito Anhembi, à espera da neozeolandeza Lorde. Não demorou muito até que seu palco — que também trouxe a cenografia mais bonita do festival — se iluminasse para revelar uma Lorde loira e de vermelho, arrancando gritos ensandecidos do público.
A cantora, que se manifestou em comemoração aos resultados da eleição mais recente do nosso país, mais tarde demonstrou que a escolha do look vermelho não fora aleatória. “Na última semana, duas coisas incríveis aconteceram”, começou. “Vocês elegeram um novo presidente, e colocaram minha música em 1º lugar para que eu a cantasse para vocês”. A canção era a imbatível “Bravado”, presente no primeiro EP da cantora, lançado em 2013, e que não era apresentada ao vivo desde 2017. Quem a acompanhava desde então pôde sentir a música ecoando na mais pura nostalgia.
Esse trecho por si só prova a conexão da cantora com sua audiência, mas passa longe de ter sido a única demonstração de carinho e intimidade com o público. Com emocionantes discursos antes de algumas canções, Lorde foi apresentando mais que suas músicas: foi revelando também sua alegria em estar entre os presentes, e a importância de suas vindas ao Brasil.
A setlist se dividiu bem entre seus três álbuns: com os maiores hits (como ‘Ribs’, ‘Buzzcut Season’ e ‘Royals’) do Pure Heroine (2013), as favoritas do Melodrama (2017) que levaram o público ao delírio e ainda mostrou que o Solar Power (2021) funciona muito bem ao vivo, escolhendo a dedo canções do álbum que proporcionaram um deleite quando apresentadas no festival — como foi o caso de “Secrets From a Girl (Who’s Seen It All)”, “The Path” e a faixa-título “Solar Power”, que encerrou a apresentação numa chuva de confetes amarelos e muitos sorrisos emocionados da artista.
O show foi um dos mais emocionantes do line-up, não apenas pela energia do público ou pela interação da cantora. Os hits também foram ingredientes importantes, mas a energia sentida no ambiente é difícil de descrever. Para quem estava mais afastado do palco, era possível ver fãs dançando em bando às canções de Lorde como se estivessem vivendo em um de seus filmes ou séries favoritas. A cantora, batizada como Ella, também parecia estar vivendo um de seus momentos favoritos: não eram raros os sorrisos largos, os momentos de empolgação e a feição de incredulidade da artista, enquanto seus fãs pulavam ou entoavam todas as suas canções num coro altíssimo.
Não foram poucos os shows excelentes que provocavam o brilho no olhar dos artistas e das plateias, mas poucos trouxeram tamanha ligação entre ambos, como se fossem amigos ou conhecidos de longa data. Lorde trouxe ao Brasil mais que apenas sua arte: também presenteou a audiência com um senso de compreensão, de empatia e entendimento, tanto no que era cantado em suas músicas, quanto com o que era sentido em meio ao êxtase e catarse da apresentação.
Muito mais importante que um artista com público, é um artista que entende e se reflete com sua audiência, e no que tange essa conexão entre criador e apreciadores, Lorde foi o melhor exemplo que vimos nas mais de 20 horas que contemplaram o festival com um show inesquecível.