A primeira temporada de X-Men 97’ terminou e se em seus 3 primeiros episódios se esperava uma entrega de alto nível, em seu final isso não só foi alcançado, mas superado.
A animação, que deu continuidade ao clássico dos anos 90, nos apresenta um arco que mescla família, preconceito, política e muita ação para contar algo que do ponto de vista da saga é um tema recorrente: a não aceitação do que é diferente.
Aqui podemos dizer que é incrível a forma como a história do grupo sabe se renovar para falar do mesmo tema sem escolher caminhos simplórios ou batidos.
Para ter um futuro e viver em comunidade com os humanos, os mutantes se esforçam para seguir com suas vidas após a “morte” de Charles Xavier no fim da animação dos anos 90 – que foi declarado morto na Terra, mas na realidade, levado a outro planeta como recurso para salvar sua vida e para que ele pudesse ficar junto de sua amada Lilandra, imperatriz Shi’ar.
Contudo, as coisas começam a se complicar quando o vilão Sinistro reaparece mexendo seus pauzinhos para atrapalhar a vida dos heróis e colocá-los de novo no foco de ódio da sociedade humana. Além de uma possível complicação plantada dentro do próprio grupo.
Diferente de sua predecessora, a nova produção acerta principalmente por amarrar muito bem sua história. Por ter apenas 10 episódios, X-Men precisa ser assertiva na sua narrativa e não abre espaço para fillers (episódios que não agregam a história apenas são recursos para prolongá-la).
O protagonismo Ômega e participações especiais
Um dos grandes trunfos da série é a forma como ela não só faz justiça aos grandes heróis mutantes, mas como honra a história que vem dos HQs com fidelidade.
No universo de toda a saga, os mutantes são divididos nas classes: Épsilon, Delta, Gama, Beta, Alfa e Ômega. Sendo os da última os mais poderosos, mas quem pensa que ser um mutante nível ômega está amplamente ligado ao tamanho do poder, se engana.
{SPOILER DE UMA HQ ABAIXO]
Na HQ X-Men: Red #16, é Tempestade que nos conta que ser um mutante deste nível não está necessariamente ligado à quantidade de poder, mas sim a diversidade e criatividade com que eles são usados, o que desenvolve mais as habilidades de cada ser.
Em X-Men 97’ temos finalmente os mutantes ômega se comportando como tal e entregando não só as melhores cenas de ação, mas a maior diversidade no uso de suas habilidades, além de uma postura mais digna diante desse lugar. Tempestade, Jean Grey e Vampira são três personagens que ganham muita força nesse sentido.
A primeira que é basicamente uma deusa, evoluindo para tal status e tomando consciência disso; A segunda sendo mais confiante e usando seus poderes de forma madura e sem as dores de cabeça ou os sinais de fraqueza de antes; E a terceira, entregando as melhores cenas de luta e todo seu potencial em campo, mesmo que não esteja mais presente nas listas mais recentes de mutantes nível ômega (não se sabe por que).
Aqui também é importante citar o Professor-X e Magneto, que embora sempre tenham tido a postura e o respeito de mutantes ômega, seus poderes pouco eram explorados como tal nas animações, ficando sempre em lugares cômodos e básicos.
Outra grande cartada certeira da animação é a forma que ela introduz as participações especiais em seus episódios, tudo é orgânico e bem estruturado, de forma que o surgimento do Capitão América, o aparecimento de Peter Parker ou até mesmo a presença de outros mutantes queridos como Psylocke ou a bruxa Wanda Maximoff, servem a história e não são apresentados como um grande momento de destaque ou foco de um episódio.
Aos líderes o que é dos líderes
A série tem muitas nuances em sua construção e isso aterriza também em seus demais personagens. Os produtores souberam como, quando e para quem dar o devido protagonismo.
É nítido que foi feita a lição de casa de casa de rever o que já foi produzido para os X-Men, para escolher como cada um deveria brilhar na tela. Ciclope finalmente é tratado como o grande líder do grupo de mutantes e exerce essa função com maestria.
Aliás o drama da família Summers é uma ótima subtrama para toda a história e coloca o patriarca dela em um lugar muito semelhante ao que o do Professor na vida do próprio personagem.
Em contrapartida, Logan – Wolverine – é deixado mais de lado, o personagem brilhava muito na animação antecessora e também nos filmes, então nessa nova produção ele ganha seu lugar como coadjuvante e isso serve muito bem para história.
Tempestade tem pouco tempo de tela na trama, mas quando aparece, rouba a cena e fixa seu espaço como uma das líderes respeitadas e ouvidas dos X-Men. Sendo entendida e ouvida no mesmo nível que Scott Summers.
Vampira cresce absurdamente em tela e demonstra inclusive potencial de liderança, além de demonstrar comportamentos que contam sobre seu passado como vilã. Gambit e Magneto tem um papel importante na narrativa da ruiva e a forma que o trio interage valoriza os três personagens de forma única.
A Disney, os X-Men e seu subtexto político
Um grande medo dos fãs da história era como a Disney trabalharia uma saga que tem em seu mais profundo DNA as discussões mais sociais e humanas possíveis, que disfarça com a temática da mutação genética a sua real discussão: o preconceito e a intolerância.
Todo o universo dos X-Men é extremamente político, tendo o presidente dos Estados Unidos e as relações diplomáticas como ponto constante dos seus arcos narrativos, isso sem falar no subtexto de diversidade, da não aceitação do diferente nas famílias e na sociedade, esbarrando diretamente no contexto de sexualidade e raça.
Porém, a grande surpresa não só foi uma Disney que abraçou tudo isso, como ainda deu espaço para um arco visivelmente LGBTQIA+ em uma obra do seu streaming. Além da declaração dos criadores sobre o personagem ser não-binário, no desenho é clara a atração/sentimento de Morpho por Wolverine – com uma cena que demonstra isso em palavras, por exemplo.
É gratificante ver esse espaço sendo explorado de forma coesa e simples, em uma saga que amplamente diz muito sobre isso, mas que durante anos foi distorcida por fãs preconceituosos.
A mim, meus X-Men e, aos fãs, os nossos X-Men
A primeira temporada de X-Men 97’ pode se consagrar como uma das melhores produções já realizadas pela Marvel por vários motivos, entre eles:
- O fato de ser uma animação faz com que a série não dependa de CGI e por isso as grandes cenas, principalmente de luta, não correm risco de ridículas por conta de efeitos visuais;
- A narrativa ser sólida e muito bem amarrada, entrelaçando subtramas e trama central de uma forma que faz total sentido para o universo da animação, mas também da própria história dos X-Men;
- A forma orgânica como o fanservice se desenvolve, introduzindo personagens queridos pelo público geral e pelos fãs da própria saga sem levantar grandes holofotes, mas os integrando a narrativa.
- Porém, mais do que isso, a animação se consagra por entregar um roteiro que honra o legado dos mutantes como há muito precisava ser feito, com a força que era desejada e muito esperada desde os filmes.
X-Men 97’ é a potência que o filme precisava ser, com o frescor da animação clássica e a maturidade que os fãs – agora mais velhos – esperavam. Isso sem falar de como sua estrutura sólida pode cativar mesmo quem não conhece o HQ.
De modo geral, a animação entrega um desenvolvimento tríplice que a consagra, servindo como um revival fiel e honroso, um show isolado muito bem-feito e uma forma – não a convencional, mas uma muito interessante – de começar a missão de introduzir o universo mutante no MCU de forma justa e bem direcionada.