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Crítica | Liniker, “CAJU”

Expansivo e sólido, Liniker apresenta alter ego poderoso e popular em segundo álbum solo, “CAJU”

Começar uma jornada solo que se lança elogiada e premiada pode parecer sinônimo de sucesso, e é. Mas também pode ser uma porta para dúvidas, inseguranças e uma pressão sufocante para os próximos trabalhos. Nada disso pareceu afugentar Liniker, que entrega agora para o mundo 14 novas faixas em um disco diverso e com mais de uma hora de duração.

Com uma mistura de ritmos, poesias, convidados e experimentações, o resultado do trabalho extenso é satisfatório e maduro o suficiente para a reestruturação de um ícone já consolidado. Se em “Índigo Borboleta Anil” a cantora cantava sobre “aprender a nadar”, os contornos de aclamação do disco pareceram afastar a artista do público geral, a colocando em um andar inalcançável da estante que poucas lendas da música ousam frequentar. Com “CAJU”, Liniker rejeita a distância: logo na faixa-título, que abre o trabalho, a poesia de Liniker se mescla com a vulnerabilidade da mesma, e com a força de Caju, o alter ego quente, solar e irresistível que vem para somar.

“Quero saber se você vai correr atrás de mim num aeroporto, pedindo pra eu ficar, pra eu não voar, pra eu maneirar um pouco – que vai pintar uma tela do meu corpo nu. (…) Será que você sabe que no fundo eu tenho medo de correr sozinha e nunca alcançar? (…) Num dia sou carente, completa, suficiente, quero amor correspondente para testemunhar”.

É aqui que ouvimos cantada numa melodia R&B o que Liniker nos contou no lançamento do disco: “(Nessas músicas) Tem a Caju, mas tem a Liniker cansada de agonia, de papo furado, de pouco. É um álbum próspero como tudo que eu quero viver”.

“VELUDO MARROM” começa numa pegada acústica de voz e guitarra, com a voz de Liniker sendo o veludo marcante na melodia romântica e acolhedora. A faixa, que dura mais de 7 minutos, leva seu tempo no aconchego antes crescer tímida com alguns arranjos orquestrais e explodir, enfim, no tamanho que Liniker entende como seu. Grandiosa e imponente, a faixa ainda traz a adição poderosa de um coral antes de desaguar em “AO TEU LADO”, canção em parceria com Amaro Freitas e o duo ANAVITÓRIA. Os bordados de piano e o instrumental cinemático contornam as vozes doces e marcantes, que tomam força no último terço de mais uma canção que leva seu tempo e esparrama em mais 7 minutos. O final surpreendente fez arrepiar e deixou em silêncio absoluto a sala de cinema que ouviu — na presença das três artistas —, a música em uma audição especial.

Se as primeiras quatro faixas parecem uma espécie de epílogo sonoro de “Índigo Borboleta Anil”, com faixas ora intimistas, ora orquestradas como um filme épico e sonhador da Disney, a quinta faixa do trabalho, “ME AJUDE A SALVAR OS DOMINGOS”, parece vibrar ainda mais com a chegada de Caju. Aqui o atabaque encontra seu lugar junto ao baixo e a guitarra, e derrama um axé que é ora suave, ora provocante. “NEGONA DOS OLHOS TERRÍVEIS” segue o astral enquanto BaianaSystem eleva a vibe, antes do sambinha delícia de “MAYONGA”, que na cultura do candomblé é uma espécie de banho em um ritual de iniciação de filhas e filhos-de-santo.

Depois da limpeza espiritual chegamos em “PAPO DE EDREDOM”, o R&B doce em colaboração com Melly. O casamento vocal culmina em um encerramento magnético com sintetizadores e um baixo bem marcado, coroando a faixa irresistível. “POPSTAR” vem na sequência com Caju ainda mais no controle, deixando a mensagem escancarada de que ela sabe quem é, sabe o poder que tem, mas que por isso mesmo merece ser correspondida a altura: “Não é coragem que precisa pra estar do meu lado, todo mundo merece amor, até uma popstar” .

“FEBRE” vem trazendo o pagode consagrado que fez explodir “Baby 95”, de seu disco anterior. A faixa, que já havia sido divulgada em uma colaboração com Thiaguinho, ganha novos contornos quando chega solo no disco, mas sem perder o ânimo e o calor. “POTE DE OURO”, com a pernambucana Priscila Senna, sustenta o astral com mais uma faixa empoderada e brasileiríssima. O mix de brega com merengue consolida a música como mais um dos pontos altos do disco, que brinca com uma letra e melodia mais populares para entregar um verdadeira jóia do disco, que tem tudo para morar na boca do povo.

Dali vamos para “DEIXE ESTAR”, participação com Lulu Santos e Pabllo Vittar que parece nos levar para mais uma festa. A faixa disco esbanja na produção arrojada, na melodia viciante e nos vocais hipnotizantes de Pabllo Vittar, que chega trazendo ainda mais destaque para a faixa, com seu carisma e magia especiais. “SO SPECIAL”, colaboração com Tropkillaz segue a noitada e nos leva para um house cativante e totalmente cantado em inglês. Magnética e dançante, a vibe pode soar totalmente diferente das faixas que abriram o disco, mas ainda conseguem se manter em harmonia com os vocais encorpados de Liniker e de sua narrativa.

“TAKE YOUR TIME AND RELAXE” vem para fechar o disco como “Mel” fez anteriormente: com uma melodia calma e relaxante servindo como uma cama aveludada para a última poesia de Lili, que grita Caju e relaciona uma cena do filme Kill Bill com o crescimento pessoal e profissional da artista. “Eu realmente prometi ser o sol hoje, desde o momento que entrei nesse ônibus. Eu vejo o trem passando na janela e penso que às vezes é preciso alguém, um movimento espelhado ao seu, que lhe faça encontrar um outro sentido pros domingos”.

Depois de uma viagem sonora e sensorial de pouco mais de uma hora, é fácil perceber que “Caju” é diverso, dinâmico, plural, orquestral, psicodélico, pagode, mpb, soul e disco, house e R&B. Um mix que representa as muitas partes do todo grandioso que é Liniker e seus esforços em se fazer presente e popular, mesmo embebida da excelência. É dançante e introspectivo, pop e poético. É Liniker em direção ao futuro expansivo, colorido e cheio de sabores e texturas que a artista, assim como a fruta, carrega e jorra para encantar quem se atreve.

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