Dê uma mordida — ou, em inglês, ‘Take A Bite’ — é com um convite confiante (e tão diferente da persona artística que vimos até agora) que a cantora filipina-britânica beabadoobee dá o pontapé em seu terceiro álbum de estúdio, ‘This Is How Tomorrow Moves’. Lançado em agosto pela gravadora independente Dirty Hit, a coletânea de 14 faixas metamorfa entre sons acústicos e experimentos no grunge e folk-pop para construir uma história típica do começo da vida adulta, entre corações partidos, jornadas de autoconhecimento e o contraditório ato de se reconstruir.
Quase que um diário deixado aberto, o disco traz um lado mais cru e que firma a identidade de Beatrice Kristi Ilejay Laus como uma compositora que retrata as aflições de uma geração — que, junto com ela, está crescendo além da adolescência. Por esse talento justamente ela foi aclamada desde o seu primeiro single aos 17 anos; seja em sons produzidos de seu próprio quarto, ou, como desta vez, em uma produção mais elevada, a artista testa, entende e expõe feridas universais por meio da música.
De modo metalinguístico, até ela mesma reconhece essa habilidade, como canta em ‘This Is How It Went’: “Deixe-me escrever uma música como todas as que eu amo / Escrevendo porque estou me curando, não para te machucar / Usando o que eu sou melhor em fazer”. Mas enquanto beabadoobee ainda aposta no seu estilo vocal doce e melódico — que, em sucessos como ‘deathbed [coffee for your head]’ e ‘Glue Song’, cunhou o seu espaço na indústria —, o amadurecimento da artista se manifesta no espaço da escrita, desta vez muito mais autocrítica e vulnerável.
O mergulho em outros gêneros de modo audacioso, construído a quatro mãos com co-produção de Rick Rubin (profissional por trás de ‘Father Stretch My Hands Pt.1’, de Kanye West, e ‘What Goes Around / Comes Around’, de Justin Timberlake), também vêm dessa mesma sede de evolução.
‘California’, por exemplo, é uma faixa que traz clara inspiração do grunge-rock dos anos 90. Enquanto a artista faz isso de um jeito menos polido do que Olivia Rodrigo em ‘GUTS’, o experimento chama a atenção na tracklist ao mostrar como a voz suave de Bea pode ser versátil e criar potência quando unida com uma banda e um baixo bem sonoro. É algo mais ousado do que estamos acostumados a escutar da artista, mas funciona.
‘Post’ e ‘Take A Bite’ também convidam esse instrumental mais forte de fuzzy-rock e mostram como esse álbum é um pouco mais temperamental e confiante do que os precursores ‘Beatopia’ e ‘Faking Flowers’, que têm como base o lo-fi, o bedroom-pop e o violão.
Mas o grande destaque do álbum é justamente o território musical que nos é tão familiar quando falamos de beabadoobee: as músicas mais lentas. ‘This Is How It Ends’, faixa final do disco, e ‘One Time’ trazem o minimalismo como palanque para as letras, que focam nas dores da artista após um término de relacionamento, e as suas reflexões e automedicação contra um passado que já não é mais tão bonito em memória.
No decorrer, 14 músicas é um pouco extenso para a proposta do projeto. Especialmente no meio do disco, a novidade da proposta mais rock-pop se apaga e perde aos ouvidos, e o necessário momento de “quebra” — quando são introduzidas as baladas e músicas mais lentas — é feito apenas no final. Assim, a coletânea se fecha com três faixas calmas, rompendo o ritmo e contrastando notavelmente com o começo.
Se reorganizado ou reduzido em uma ou duas composições, ‘This Is How Tomorrow Moves’ seria mais impactante. Ainda assim, o ouvinte chega até esse momento final por uma jornada coesa; ou melhor, depois de ouvir o desenrolar de uma grande história, que parece ter começo, meio e fim, assim como tudo da vida adulta.