“Songs from the Big Chair” e os 40 anos de sofisticação do pop oitentista

Disco mais célebre do Tears for Fears, Songs from the Big Chair completa quatro décadas de lançamento em 2025

O disco Songs from the Big Chair, lançado há 40 anos, consolidou o Tears for Fears como um dos nomes mais expressivos do pop rock britânico dos anos 1980. Se o álbum de estreia, The Hurting (1983), já demonstrava o talento da dupla Roland Orzabal e Curt Smith para letras introspectivas e arranjos sofisticados, seu sucessor elevou a ambição musical da dupla britânica. No entanto, diferentemente da abordagem confessional de The Hurting, Songs from the Big Chair oferece uma sonoridade mais luxuosa e acessível, sem perder a profundidade lírica.

Tears for Fears atingiu seu auge criativo e comercial expandindo suas influências para além do synthpop melancólico, incorporando elementos de rock progressivo, jazz e soul. Não à toa, e sim graças a melodias sedutoras (beirando o chiclete), produção elegante e uma pitada de drama, Songs from the Big Chair se tornou um dos álbuns mais icônicos da década.

O álbum reflete um amadurecimento artístico notável, tanto na composição quanto na produção. Enquanto o trabalho anterior as músicas giravam em torno da psicanálise e das dores da infância, influenciadas pelas ideias de Arthur Janov e sua Primal Therapy, aqui a abordagem é mais expansiva, lidando com temas como poder, alienação e busca por liberdade. O título do disco faz referência ao filme Sybil (1976), que narra a história de uma mulher com transtorno de identidade dissociativa que encontra conforto em sua “grande cadeira”. Essa ligação, partindo do fato de que a banda tinha Janov e Carl Jung como referências conceituais, dialoga com os temas da teoria da psique humana. Além disso, Songs from the Big Chair é uma forma de protesto da banda, que cismava ser alvo de hostilidade e implicância da imprensa britânica.

Faixa a faixa

O disco não nasceu do dia para a noite. Desde o trabalho de estreia da banda, Orzabal e Smith se dedicaram muito ao ofício musical. Orzabal tinha composições na manga, co-escritas com Ian Stanley, um dos fundadores do Tears for Fears. Algumas delas, que não haviam sido inseridas em The Hurting, passaram a integrar o rascunho de Songs from the Big Chair. Com Chris Hughes na produção, a faixa que levou mais tempo para nascer foi “Shout”: a banda trabalhou por meses para finalizar essa composição. 

Aliás, essa é a faixa de abertura do disco. “Shout” é um hino catártico de protesto e libertação, impulsionado por percussão e sintetizadores fortes. A repetição da palavra-título reforça o desejo por essa tal liberdade e, não (somente) por isso, tornou-se um dos maiores sucessos da banda. Em seguida, “The Working Hour” contrasta a agressividade da faixa anterior com uma abordagem mais melancólica, sustentada por saxofones e harmonias aliciantes. Essa sonoridade casou com a letra da composição, que reflete sobre as pressões do trabalho e da vida adulta. O título, inclusive, nomearia o álbum — não fosse a sugestão de Orzabal para referenciar a “grande cadeira”.

O terceiro e maior hit do disco, “Everybody Wants to Rule the World” apresenta uma melodia tão gostosinha que chega a mascarar sua discordância com a coletividade. A dicotomia entre forma e conteúdo exemplifica a sofisticação do Tears for Fears em equilibrar temas complexos com apelo pop. A letra trata da ambição desenfreada e do cenário político da Guerra Fria, ao mesmo tempo em que é irresistivelmente radiofônica. A junção desses dois elementos fez com que a faixa fosse perfeita para figurar na série Stranger Things, que se passa na mesma década de lançamento do disco.

“Mothers Talk”, com seu ritmo frenético e sintetizadores em camadas, reflete o medo nuclear da época, enquanto “I Believe” desacelera o ritmo com uma balada minimalista e mostra o talento de Orzabal como intérprete emocional. “Broken” e “Head Over Heels”, por sua vez, formam um dos momentos mais reverenciados do álbum, com transições fluidas entre melancolia e euforia romântica. “Head Over Heels”, em particular, é um dos grandes clássicos do synthpop, explorando a fragilidade do amor a partir da produção impecável de Hughes. Com essa faixa, a dupla figurou novamente na trilha sonora das telinhas — dessa vez no filme Donnie Darko. O disco se encerra com “Listen”, uma faixa quase celestial e que amplia o alcance experimental da banda, flertando com ambient music e repetindo fragmentos de letras anteriores. Como resultado, cria-se um ouroboros musical meditativo.

Os desdobramentos

Songs from the Big Chair permitiu que o Tears for Fears equilibrasse inovação e acessibilidade no mesmo pratinho. Sem dúvidas, tornou-se, desde seu lançamento, há 40 anos, referência para ambas as cenas new wave e pop. O álbum vendeu milhões de cópias, alcançou a segunda posição nos charts britânicos e o primeiro lugar nos Estados Unidos. Posteriormente, as músicas da cadeira alta se tornaram multi-platina e o álbum passou a ser o trabalho mais bem-sucedido da banda (até o momento, quem sabe).

O baque do disco ainda ressoa na música atual, seja como inspiração ou forma de cultuar a estética fonográfica oitentista. Seja como for, o álbum foi incluído no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes De Morrer, sucesso de vendas em 2006, escrito por Robert Dimery, co-fundador da revista Rolling Stone.

De fato, inteligência musical e emoção podem caminhar juntas no mainstream. Inegavelmente, a metáfora da grande cadeira ressoa ao longo do álbum, transmitindo um misto de vulnerabilidade e grandiosidade.

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