“Froot” é a maturidade visceral de Marina (and the Diamonds)

Marina procura e encontra reconciliação com ela mesma no sucessor do Electra Heart, “Froot”

Olhos marcados, laço cor-de-rosa, coração na bochecha. Na década passada, Marina foi, indiscutivelmente, uma das queridinhas da geração que viveu o auge do tumblr e da onda de atos indies, filtros b&w e estéticas melancólicas. Se esse imagético parece recente, pasme: além dela, nomes como Halsey, Troye Sivan e Lana del Rey hoje já se encontram completamente distantes da estética blasé de meados dos anos 10 — o que não, necessariamente, significa que todos os atos dessa toada tenham se reposicionado com sucesso ou entregado seus maiores trabalhos, apenas que, há muito, essa era chegou ao fim.

Apesar da quantidade de atos advindos dessa leva, Marina And The Diamonds com certeza foi (e, apesar de lançamentos recentes não colaborarem, ela ainda é) um dos mais expressivos. Em The Family Jewels, excelente disco de debut redescoberto recentemente pelo TikTok, ela já demonstrava capacidade de criar letras ácidas e sagazes sobre amor, os dilemas de ser uma jovem adulta e também seus desafios enquanto artista. Saber trabalhar visuais marcantes, jogar com arquétipos e metáforas, e ter uma voz inconfundível são apenas algumas das coisas que a colocariam que um posto só seu no pop/indie pop moderno.

Marina por Charlotte Rutherford para a era Froot (reprodução)

Posteriormente, no conceitual Electra Heart, album que nos apresenta ao alter-ego de mesmo nome, o salto foi para temas muito mais obscuros envolvidos em uma narrativa absolutamente novelesca da protagonista. Com uma sonoridade recheada do melhor do sythnpop e bubblegum pop, rendeu canções atemporais como “Bubblegum Bitch” e “How to Be A Heartbreaker”, alguns de seus carros-chefe que a projetaram famosa. Autodepreciação, em embate direto com o egocentrismo, surtos de autoestima influenciados pelas relações à volta de Electra permitiam, por uma fresta, enxergar os paralelos entre cantora e personagem. Marina viveu essa era como um nome imbatível, com todos os motivos para isso: clipes bem produzidos, construção visual completamente coerente – ela foi, de fato, a Primadonna Girl de 2012.

Por isso, quando o Froot foi anunciado, era um pouco previsível a expectativa gigante para o sucessor de um dos discos mais teatrais dos anos 2010 — algo que também sempre fez parte da artista. E bem, para alguns, pode não ter valido a espera. Mas se há um pontapé para falar do álbum em questão é que menos loira e mais madura do que nunca, Marina se despiu de tudo que um dia criou para entregar uma obra vulnerável – sem se esconder por trás de qualquer personagem, dessa vez.

“I found what I’d been looking for in myself/ Found a life worth living for someone else/ Never thought that I could be, I could be/ Happy” faz parte da letra da balada poderosa “Happy”— que inicia o álbum, admitindo a própria fraqueza e solidão — e a busca por dar um fim nesses sentimentos. Em “Froot”, faixa sucessora, um pop oitentista te leva para um verão quente na Grécia enquanto, sem pudores, Marina pede que agora seja sua vez de ser amada e desejada — “Ive been saving all my summers for you”, afinal. Com um refrão grandioso e uma produção pra lá de chique, é um dos singles definitivos da carreira.

O disco, daí para frente, segue transitando entre faixas mais lentas e pop colorido. Claro, só em sonoridade. Da épica “I’m a Ruin” para a enérgica “Blue”, Marina confronta as próprias atitudes ao falhar e decepcionar alguém. Na primeira, é autocondenatória. Já na segunda, busca a redenção do outro —quem quer que possa sanar as necessidades emocionais que ela agora percebe que não acharia sozinha— um 180º de distância da faceta de Electra. “Forget” poderia também entrar um pouco nessa temática, apesar de um daqueles poucos fillers do álbum.

Ela recupera pulso na solar e simpática “Gold”, que conversa também com “Solitaire”,“I see people and cars covered in gold/And I’m happy to be on my own” ela cita, ao falar do vazio que uma vida regada a falsos estrelatos, amigos e imagéticos representam. Porém, dualidade seria uma palavra errônea para tratar a energia que Marina imprime em Froot. É algo muito mais multifacetado, rico da melhor inspiração que ela poderia ter para criar esse conceito: ela mesma. 

O despontar de Marina em Froot é um marco pessoal: sua versão escrachada e debochada ganhou mais refinamento em “Better Than That”. Já em “Savages”, o lado político, que seria algo mais proeminente e literal em trabalhos seguintes, transita entre visões sobre conflitos e o “mal do ser humano”. 

Chegando aos 30, pós-sucesso estrondoso de um álbum caótico, com faixas vulneráveis, mas envolta ainda pelo verniz e proteção de um alter-ego. Deixando de lado não apenas o imaginário construído para abrigar os altos e baixos que jamais admitiria para si mesma, é em Froot que Marina olha passado, presente e futuro sem qualquer fortaleza. 

Mais do que um salto de maturidade, é um resultado positivo de quando Marina usa suas explosões criativas para, a partir da menor das experiências, criar letras viscerais e grandiosas sobre coisas que podem ter sido, sim, muito originadas pela interação com o outro, mas que, aqui, são contadas sob a perspectiva sentimental e pessoal dela.

89/100

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