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Entrevista | Nobat inspira coragem e celebra o Brasil em seu novo álbum “Mestiço”

Em audição exclusiva, o cantor e compositor mineiro apresenta seu novo trabalho e fala sobre política, ancestralidade e música brasileira.

“Um álbum sobre o Brasil”. É assim que o cantor e compositor mineiro Nobat descreve “Mestiço”, seu quarto álbum de estúdio, lançado no último dia 21 de julho.

A definição não poderia ser mais precisa: concebido e produzido no pós-eleições de 2018 e ainda no contexto de pandemia, “Mestiço” é sobre um país que Nobat acredita ser possível. Ao longo de suas 10 faixas, o cantor celebra a diversidade e o espírito festivo brasileiros, partindo do despertar para o início da história do Brasil, passando pela libertação das prisões da intolerância, da colonização e do conservadorismo, e culminando na superação das mazelas que afligem o povo brasileiro.

Não há dúvidas de que a intenção do compositor é resgatar a memória de uma brasilidade diversa e, com base nisso, criar um ambiente de esperança e coragem para seguirmos em frente. Como o título “Mestiço” já indica, esse cenário é criado a partir da sinergia entre diversos gêneros e ritmos musicais: encabeçado pelo samba, o trabalho traz elementos do maracatu, carimbó, congado e baião, além de elementos do jazz, hip-hop e música eletrônica. “É um disco esteticamente mestiço”, define Nobat.

Participações especiais

Mas as homenagens à música brasileira vão muito além do resgate destes ritmos. “Mestiço” contou com participações especiais de diversos artistas que Nobat tem como referência, como BNegão, Mariana Cavanellas, Curumim, Bloco Então Brilha, Lullis e da rainha Elza Soares, em um de seus últimos registros fonográficos.

O compositor também fez questão de celebrar a música brasileira ao longo das faixas, reverenciando artistas como Cartola, lembrado com sua “Preciso me encontrar” na faixa “Cadência das horas”, e Clara Nunes, homenageada com “Canto das três raças” na faixa-título. Ainda há o resgate da eterna “Água de Beber”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, recortada em “Beira do Mar”. 

Para acompanharmos de perto esse lançamento, nós do Escutai estivemos presentes na audição exclusiva do álbum, que rolou em Belo Horizonte no dia 20/07, e batemos um papo sobre o lançamento, política e, claro, sobre música brasileira.

Capa de Mestiço por Giuliam Uchima / Imagem por Felipe Palma (reprodução/crédito)

“Mestiço” é seu quarto álbum, que começou a ser gravado no pós-eleições de 2018, com “Menina Erê”, e que atravessou todo o período de pandemia e isolamento social. O que podemos esperar das temáticas deste trabalho?

Primeiramente, esse é um disco que celebra a nossa história. É uma história que começa com muita dor, começa pela violência, pela invasão, pela violação, e que atravessa o tempo sem fazer as devidas reparações aos povos que foram tão maltratados e violentados nessa história. Então eu fiz esse disco para salvar o Brasil em que eu acredito, em um momento em que ele estava sendo desmentido pelo crescimento de uma onda conservadora, intolerante, preconceituosa, que não aceita o que para mim é a principal vocação deste país, que é a diversidade.

Apesar da nossa história começar de uma maneira triste, somos um povo que tem a vocação da diversidade, e é isso que temos que celebrar, exercitar, entregar de volta para o mundo; é a nossa tarefa. Esse disco foi feito para celebrar esse país tão diverso, tão amplo, tão bonito, que tem uma música tão rica. Essa foi a nossa missão nesse trabalho.

A gente cita o Cartola, tem a presença da Elza, que é uma das maiores cantoras do mundo, tem o BNegão, tem o Bloco Então Brilha, tem a Lulis, tem a Mariana Cavanellas, tem o Curumim… Um povo que entregou uma música dessas para o mundo é um povo muito abençoado. A música desfaz toda e qualquer distância que tenhamos. Ela une os povos, ainda que não falem a mesma língua e não tenham a mesma cultura. Então é um disco que pretende lembrar de um Brasil possível, que nunca foi de fato, mas que pode ser, que mora dentro de nós. Tenho certeza de que todos que ouvirem sentirão um pouco do que eu to falando.

Nas últimas semanas, temos visto muitos artistas se posicionarem politicamente dentro e fora dos palcos, nas redes sociais, e serem rechaçados por essa exposição. Você acha que é possível separar a arte das questões políticas ou é importante também trazer esses posicionamentos para a música?

Tudo é política e estamos começando a perceber isso de uma maneira muito clara e nítida. Por exemplo, uma mulher como a Luísa Sonza é um corpo político. Ela está avançando em várias questões em que estamos lutando há muitos anos para avançar. Então, quando ela está ali, várias outras vieram antes dela para poder conseguir a liberdade que ela tem hoje. Se eu estou aqui podendo falar e me expressar livremente, é porque muitos lutaram – às vezes até com muita perda, sacrifício – para que eu pudesse estar aqui falando o que eu quisesse, para voz que eu tenho, para o alcance que eu tenho. Acho que política é tudo; e se vamos ao supermercado comprar um pacote de macarrão e a política está no meio disso, como não estaria no meu canto, naquilo que eu sinto, naquilo que eu penso?

Estamos em um momento decisivo. Não é hora de ficar em cima do muro, porque o que está em jogo é nossa liberdade, nossa dignidade, o respeito e, sobretudo, não retrocedermos nas lutas que foram garantidas com tanto sofrimento e que não alcançaram ainda seu lugar de merecimento. Acho que se posicionar é o mínimo que cada pessoa que tem um microfone na mão e o mínimo espaço pode fazer para colaborar com esse jogo que estamos jogando, todos juntos – saibamos disso ou não.

Imagem por Felipe Palma (reprodução/crédito)

“Mestiço” traz diversas parcerias. Em “Me Deixa Sambar”, você gravou com BNegão e Elza Soares. Já “Aqueles Homens” conta com a participação de Mariana Cavanellas. Claramente, todos os convidados foram escolhidos a dedo e acrescentam bastante ao resultado final das faixas. Como foi o processo de escolha e de gravação com esses artistas?

Foi tudo muito pensado por aquilo que me fez criar o disco: as minhas grandes referências, artistas que já estavam abrindo os caminhos e trabalhando pela manutenção da música brasileira. A música brasileira é fluida – como é o movimento do mundo – e ela está caminhando para outro espaço. Hoje, a grande música brasileira talvez seja o funk, talvez seja o rap, e eu gosto de fazer um esforço para que a gente se lembre de onde viemos. Essa música tão rica, tão poderosa, para somar inclusive com esses novos movimentos que estão rolando aí.

Então temos Curumim, BNegão, Mariana Cavanellas – que é uma cantora extraordinária, que trabalha dentro do coração da tradição da música brasileira, uma filhotinha de Elis Regina ali, talvez. Temos a Lulis, que é minha companheira e que é uma cantora que traz um pouco da história da Nara Leão, da própria Fernanda Takai – que é nossa conterrânea -, um canto delicado, poderoso pela delicadeza.

Sobre a Elza, eu sempre falo que ela marcou cada década em que ela lançou disco. Ela é uma coisa fora do normal do mundo. Ela é um acontecimento e eu me sinto muito honrado de não só de ter tido a presença dela nesse trabalho mas sobretudo de ter honra de carregar nesse disco um dos últimos registros dela, isso é uma responsa também. Estou fazendo a guarda da voz dela e pra mim isso é uma honra e uma grande responsa também.

Eu vou convidar o meu produtor, Barral [Lima], para responder essa pergunta. Quando fui fazer este disco, escolhi o produtor que lança todos os meus trabalhos desde 2018. Ele é um grande militante da música brasileira e trabalha nas mais diversas abas. Ademais, ele tem uma série de songbooks só de compositores e artistas mineiros e, quando eu o conheci, entendi que ele fazia a coisa de coração. Eu o chamei porque ele tinha uma experiência muito grande e vi que ele sacava muito de música brasileira. Inclusive para chegar onde ele chegou, teve que caminhar muito, como músico, como pesquisador e como artista.

Barral Lima responde:

Inicialmente, quando nós nos encontramos, eu gostava muito das músicas [do Nobat]. Era uma música mais serena, mais calma, mais tranquila, que eu adoro – é como o TripHop, que é um estilo que eu adoro. No entanto, como ele tinha uma coisa brasileira, de tocar violão, gostava do Caetano, do Chico, eu disse “tá faltando uma coisa para levar [a sua música] para um outro patamar, para um outro ambiente. No álbum “Mestiço”, precisamos trabalhar esse ambiente que você não trabalha nas suas músicas – ou, se trabalha, é timidamente”.

Aí, começamos a experimentar e trazer novos elementos de que nós dois gostamos. Trouxemos por exemplo algo do afro – eram coisas que já estavam na música dele, mas que ele não trazia muito à tona. O produtor musical está lá para ver de fora. É preciso descobrir coisas que você percebe de fora e pode trazer para somar, permitindo que o artista seja o artista. Isso é a autenticidade, que é o mais importante. Foi só isso que fizemos. Vivemos num país tropical, que tem essa alegria, em que as pessoas gostam de dançar, de curtir, de cantar, que assistem show em pé. Assim, precisamos fazer música para quem assiste show em pé. 

Imagem por Felipe Palma (reprodução/crédito)

“Mestiço” traz um som bem diferente das outras produções da sua carreira. Você descreve “O Novato” como um som brasileiro mais anoitecido, algo mais na pegada de Maysa e Jards Macalé. Em seguida, temos “Estação cidade baixa”, que tem raízes bem mineiras, inclusive com referências à cidade de Belo Horizonte. O que mudou para você musicalmente e esteticamente entre os últimos discos e este?

Costumo dizer que a música brasileira sempre tangenciou meu trabalho. Porém, no álbum “Mestiço”, ela ocupou um lugar de centralidade, porque [este disco] era sobre o Brasil. É um disco sobre esse país, sobre a nossa história, sobre a nossa gente. Não tinha como fugir disso, eu tinha que colocar todos os elementos ali. Além disso, tem uma outra história: eu estava vendo todo mundo muito cabisbaixo. Quando eu fazia a tal da música brasileira anoitecida, pensando nessas outras referências – Maysa, Macalé -, era um momento em que eu podia chorar as minhas lamúrias.

Agora, inclusive pelos privilégios que eu tenho, estou em um lugar de acender as luzes das pessoas que ficaram muito apagadas nos últimos tempos. Quero botar fé na vida, porque sem esperança, não saímos da cama, não lutamos por nada. Afinal, é muito importante que acreditemos que é possível ser diferente. Me lembro de ver minhas irmãs, irmãos, amigos e amigas, todos descrentes do mundo. Então, vi que não estava na hora de pensar só em mim. Eu quero pensar no nosso coletivo e quero cantar uma força que estou inventando – porque eu não estava tendo essa força também não! Eu quero inventar uma força pra gente se agarrar, nem que seja por aquele instante em que a gente dança e curte junto, celebra.

Além do momento difícil que o país atravessou, teve uma pandemia no meio disso tudo, todos ficaram muito sensíveis, perdemos gente, foi algo horrível. Aí, pensei “cara, eu ainda consigo compartilhar um axé aqui, então vou compartilhar um axé”. E isso me confirmou que a vocação desse trabalho era a música brasileira e que a nossa música é muito forte. 

Tem uma coisa que o Caetano fala que é lindo – e que na verdade é uma frase de um compositor do Rio chamado Beto Sem Braço:

“A gente faz festa porque a vida é uma merda”.

Veja, não é porque é boa! Esse povo que está podre de rico não faz festa! Fazemos festa para espantar a miséria. E era a minha maneira de dar a festa para tentar pegar um fôlego. Para criarmos coragem. 

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