Depois de trabalhar com produtores aclamados e apostar em formatos radiofônicos, deixando suas predileções como “deep cuts” em seus álbuns anteriores, Ariana Grande tem buscado evidenciar cada vez mais o controle na criação, produção e direção de seus trabalhos. Em ‘Sweetener‘, por exemplo, as experimentações e referências à Imogen Heap foram guiadas por Ariana e auxiliadas por Pharrell para construir um álbum doce e viciante. Depois, em “Positions“, foi como se todas as jóias ocultas dos álbuns anteriores tomassem o controle, entregando um álbum com certo R&B em meio às batidas trap tão características no trabalho da cantora, e as muitas músicas com um teor sexual mais… explícito.
Agora, em seu sétimo álbum de estúdio — sendo todos lançados em menos de 10 anos — e apostando cada vez mais na produção vocal das canções, percebemos uma simplicidade proposital e uma calmaria calculada. “eternal sunshine” se despede dos vocais supersônicos e instrumentais megalomaníacos: a beleza está nos detalhes — nas sutilezas.
Se no primeiro play um ouvinte desatento pode ter a sensação de “mais do mesmo”, vale uma segunda atenção ou até uma terceira: provavelmente o máximo necessário para que o álbum se torne quase um vício. A cadência das melodias, a disposição das faixas e até duração do projeto parecem combinar em perfeita harmonia, fazendo com que a coerência do projeto seja um de seus traços mais marcantes e elevando Ariana a um novo patamar: mesmo podendo escorar em um pop “farofa” e em agudos invejáveis, o propósito das ótimas produções parece ser apenas contar algumas verdades e procurar conforto e cura no meio do caminho.
Não são raros os momentos dançantes, seja em “bye“, que começa o álbum com uma energia nostálgica e disco, até a já aclamada “yes, and?“, com sua vibe noventista carregada (e que ganhou até um remix com Mariah Carey que lembra muito o trabalho da artista convidada em deliciosas mixtape lançadas há quase 30 anos). “supernatural” parece uma faixa um pouco mais sombria que poderia cair bem no também aclamado “thank u, next“, mas que faz uma adição potente ao novo trabalho — principalmente no remix com Troye Sivan, lançado em uma versão parcialmente deluxe.
Já “true story” e “the boy is mine” apostam em inspirações do novo milênio, com repetições e batidas viciantes acrescidas de harmonias deliciosas que caberiam em um dos melhores álbuns de Britney Spears, lançados no começo dos anos 2000. Essa última, inclusive, já se mostra uma das favoritas dos fãs e forte concorrente para ser mais uma música de trabalho a quebrar recordes para a cantora.
Mas mesmo em um brilho eterno há espaço para crescimento e introspecção, percebidas principalmente nas últimas quatro faixas do trabalho. A primeira delas é a ótima “we can’t be friends (wait for your love)“, que traz um sintetizador nostálgico que muito lembra a também ótima “Dancing On My Own“, de Robyn. Com um clipe ainda mais emocionante, a artista amarra o conceito do disco ao referenciar o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, clássico com Kate Winslet e Jim Carrey lançado em 2004. O filme e o clipe abordam uma clínica fictícia especializada em um procedimento que apaga pessoas amadas da memória, a partir de conexões cerebrais com objetos e presentes conectados à pessoa.
Nas músicas seguintes, Ariana canta sobre imperfeições, lutas pessoais e os esforços para se manter em um relacionamento em colapso. “i wish i hated you” é possivelmente um dos momentos mais vulneráveis, com um instrumental simples e uma voz embargada que carregam todo o sentimento da canção, pouco antes de fechar o álbum com “ordinary things“, que traz um instrumental interessante, como um fagote, acrescido de uma mensagem da avó da cantora ao final, apontando para um futuro com mais clareza e leveza.
Sem dúvidas, o conciso “eternal sunshine” se firma como um dos trabalhos mais sólidos da carreira da artista, capaz de não apenas trazer mais sucessos comerciais para a cantora, mas também de estabelecer sua imagem, mensagem e artisticidade brilhantes.