Chegando ao mundo de maneira abrupta: vazando antes da hora e, pouco depois, lançado oficialmente, há uma década atrás Vulnicura criava vida. Um dos álbuns mais emocionais e devastadores de Björk, pela primeira vez em anos é um trabalho da cantora sem amarras a grandes campanhas promocionais, sem exposições em museus, parcerias com cineastas ou inovações tecnológicas, como os apps de Biophilia. Vulnicura veio cru, direto e inegociável, um documento sonoro da dor.
Um clichê entre os artistas, um álbum de término, que feito por Björk é claro que não tem nada de ordinário. A cronologia do álbum personifica a sensação de vivenciar um término de relacionamento em tempo real, com as faixas representando uma linha do tempo: o término, os momentos de luto depois e a lenta superação. Em “History of Touches” , por exemplo, a narrativa acontece no instante exato da “morte” da relação. Com produção de Arca, os sons se desenrolam em câmera lenta enquanto Björk canta sobre como cada memória íntima se comprime em um único segundo.
O ápice emocional do disco, “Black Lake”, surge depois na linha do tempo do álbum. Cordas fúnebres se misturam às batidas subterrâneas de Arca, enquanto a voz de Björk oscila entre a irritação e a resignação. “Estou entediada com suas obsessões apocalípticas”, ela canta, antes de se entregar à dúvida devastadora: “Será que eu te amei demais?”
O que impede Vulnicura de ser apenas um exercício de sofrimento é a forma como Björk intercala momentos de ironía amarga e introspecção brutal. Em “Family”, por exemplo, ela pergunta: “Existe um lugar onde posso prestar homenagens à morte da minha família?”. Seu vocal, inspirado na intensidade emocional do fado de Amália Rodrigues, carrega cada sílaba com um peso cirúrgico—ao mesmo tempo indulgente e analítico, como se dissecar seus próprios sentimentos fosse a única forma de compreendê-los.
Sonoramente, Vulnicura é um mosaico impecável. Batidas drum-and-bass, violoncelos que parecem gemer, ecos distorcidos de Antony Hegarty—tudo se funde sem costuras aparentes. O álbum amplifica o imaginário visual e lírico de Björk, da dor feminina exposta na capa à tradição de artistas mulheres que transformam suas vidas em arte. Logo na primeira faixa, “Stonemilker”, ela declara: “Momentos de clareza são tão raros—é melhor documentá-los”.
Se Vulnicura começa como um diário pessoal de sofrimento, ao final, em “Quicksand”, Björk expande seu luto para além de si mesma. “Cada vez que você desiste, tira o nosso futuro—o meu, o da minha filha, o das filhas dela e das filhas delas”. Uma despedida que pode soar como resignação, mas também como um lembrete de que, mesmo após passar por um turbilhão emocional, há um futuro à frente. Não necessariamente um futuro reconfortante, mas honesto—e, de alguma forma, possível.