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Crítica | Lady Gaga, “Born This Way”

“Born This Way” demonstra como Gaga construiu seu magnum opus com elementos de fantasia, eletro-rock e mensagens de aceitação

Estávamos em 2010. Lady Gaga já era a artista mais interessante da época: com dois álbuns de sucesso absoluto, incontáveis prêmios importantes, uma videografia revolucionária, recordes e feitos marcantes. Um senso estético inconfundível, que não apenas deixava todos atentos para o que ainda viria aí, como também já inspirava todas as outras artistas da época. 

Ela já parecia ter conquistado tanto, talvez até tudo? Um sucesso quase meteórico, a indústria aos pés, mas para ela ainda parecia pouco. Olhando para aquela figura — que cada hora exibia uma aparência diferente —, não havia indícios de acomodação ou cansaço. Pelo contrário.

Foi quando ela subiu ao palco para receber o VMA mais importante da noite em um vestido de carne, marcando um protesto e um dos visuais mais icônicos da carreira, que Gaga pediu Cher que segurasse sua bolsa (também de carne) e entoasse, chorando, o refrão acapella da faixa Born This Way

Ali víamos em seu olhar que ainda havia força. Ainda havia fogo e ela viria com tudo em seu novo álbum, lançado no ano seguinte. Born This Way, o álbum, nasceu após uma campanha maciça de divulgação, o lançamento da faixa-título como primeiro single e muitas aparições, entrevistas e looks marcando a estética sombria, fantasiosa, urbana e, claro, controversa.

Com 17 faixas em sua versão deluxe e 14 na versão normal, o álbum traz Gaga acoplada a uma moto, em foto retirada do photoshoot feito por Nick Knight (fotógrafo, amigo e parceiro criativo que já havia colaborado com Gaga em diversos ensaios e conteúdos anteriormente). Gaga depois explicou que a capa significava que ela era um veículo da própria mensagem, da própria voz. 

Se em “The Fame Monster” a Gaga bizarra e deslocada das figuras de beleza “tradicional” se aproximou de uma massa de pessoas que também se sentiam deslocadas desses padrões, em “Born This Way” ela não pegou apenas essa narrativa para si, mas tomou também uma legião de pessoas que não se sentiam aceitas: por suas religiões, crenças, orientações sexuais, condições físicas ou padrões de beleza. Enquanto seus shows se tornavam uma espécie de culto onde os fãs se sentiam seguros e celebrados da forma como eram, o álbum veio coeso lírica e sonoramente, com músicas que cantam sobre aceitação em suas mais diversas formas, e ainda dizem para quem quer que ouça abraçar seus lados que são considerados feios e encontrem amor e perdão para si mesmos.  

Em tradução livre, “Nasci assim” é não apenas o título do álbum e da música que se tornou o segundo single. É esse também o tema que amarra a maioria das canções. Entre as diversas variações da mensagem, destacam-se as faixas Hair e Bad Kids

Enquanto Marry the Night, a faixa que abre o álbum, começa com vocais mais tímidos e um som que nos remete um órgão de igreja (instrumento que ganha ainda mais notoriedade nas faixas Highway Unicorn (Road to Love) e na deliciosa mais rock Electric Chapel, sentimos que estamos entrando em uma espécie de celebração, como um culto ou uma seita religiosa — antes da explosão instrumental surgir, deixando tudo mais barulhento e delicioso. 

Mas não se engane: não estamos entrando em um campo gospel aqui. Born This Way é a forma de Gaga dominar essas esferas e brincar com elementos usados para oprimir e excluir, como a Igreja. É quando Judas entra em cena, despertando raiva em tantos conservadores. A mensagem é clara: arrependimento, sentimentos divididos, querer sair de uma situação tóxica e se voltar para a luz. Mesmo assim, interpretação não pareceu ser o forte de um grande número de pessoas que levantaram centenas de protestos pelo mundo.

O tema religioso retorna na sombria e deliciosa Bloody Mary, uma música dark que nos remete à ambientação do álbum antecessor The Fame Monster, mas com a deliciosa vibe oitentista que o Born This Way usa como base forte ao longo de todas as suas faixas. Em outro momento, para quem procura, Black Jesus + Amen Fashion pode soar como uma provocação dupla: novamente à Igreja, e talvez à Madonna.

A sonoridade do disco não se escora em um estilo ou se torna cansativo em seu desenvolvimento. Mesmo com mais de 1h30 de duração, o pop varia do urbano e industrial eurodance empoderador de Sheiße para o rock clássico de Yoü And I (que usa um sample do Queen e que agradou tanto, que ganhou uma performance ao vivo com o próprio guitarrista da banda, o Brian May!). 

Na jornada pela aceitação ainda somos acompanhados por mariachis (presentes em Americano) e solos de sax, guitarras e sintetizadores. A riqueza nas referências, que vão das mais populares como Madonna e Bowie à Queen, estão também profundamente ligadas na personalidade de Gaga/Stefani e em tudo o que ouvia enquanto se aperfeiçoava enquanto pessoa e musicista — indo de música clássica ao punk e heavy metal. 

O jeito que Gaga e seus produtores mesclaram tudo isso não deram origem apenas a um álbum original, diverso e diferente de tudo o que tínhamos na época. Esses ingredientes foram os responsáveis pelo surgimento do magnum opus, a obra-prima, ou como muitos fãs consideram, o álbum da carreira.

E é assim que, mesmo onze anos depois de seu lançamento, o trabalho construído em Born This Way ainda soa fresco e atemporal, agradando públicos de todas as idades e esferas, que se conectam às mensagens, aos elementos e ao melhor exemplo da força artística que solidificou Gaga como uma das maiores artistas do nosso tempo.

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