Clarice Falcão sempre deixou sua marca com sua irreverência e autenticidade, com Eleita não poderia ser diferente, dona de um humor único e dotado de referências, a série, que chegou nessa sexta ao Amazon Prime e foi criada por Clarice e Célio Porto, promete paralelos nada discretos com a realidade.
Eleita conta a história de Fefê, uma influenciadora digital que acidentalmente se elege para governadora do Rio de Janeiro. A proposta brinca com o completo caos instaurado no governo do Rio, na vida real, onde 5 dos últimos 10 governadores foram presos. Mas você se engana se pensa que essa é a única referência que a série traz. São muitas as intercessões com o mundo real que escancaram a farsa e o absurdo da política brasileira.
A personagem de Luciana Paes, por exemplo, é uma pastora evangélica mega conservadora que faz de tudo para se manter no poder. Com direito a falas dizendo que a “Frozen” é lésbica. Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.
É interessante ver nascer esse humor político que emerge da série, em grande parte, por sua força em representar um cenário que já fugiu do ordinário para atingir o absurdo mas, especialmente, por seu teor vanguardista. Apesar dessas referências diretas terem sido usadas e abusadas por programas de humor como Caceta & Planeta e Tá no ar: a TV na TV, não há precedentes da sua utilização dentro de uma narrativa dramática como “Eleita”.
Em coletiva de imprensa com os atores e diretores, Clarice conta que, em um primeiro momento, a protagonista seria a própria criadora, já que a construção da personagem partiu da ideia de representar a cantora em sua versão mais “podre”, como ela define. A fala por si só demonstra a artista que Clarice é. Disposta a demonstrar seu pior para quem quisesse ver, a criadora da série conta que a personagem principal de “Eleita” é todos seus defeitos elevados a máxima potência: Apolítica, carente, fanfarrona, imatura e irresponsável.
Apesar de essa fala tornar tudo mais interessante, há de se dizer que essa escolha pelo exagero gera certo desconforto ao fluir da série. E digo isso com muito pesar. Fefê é realmente a todo momento inconstante, irracional e imprudente, o que faz com que em certos momentos queiramos entrar na tela, sacudir a personagem e obriga-la a tomar uma decisão certeira sequer. O que até pode ser intencional por parte dos roteiristas mas que ainda assim compromete ligeiramente a fruição da série.
Já as locações escolhidas pela renomada diretora Carolina Jabor foram uma escolha certeira e também deram o tom satírico da série. A diretora afirma que a escolha por filmar em locações próprias do governo do Rio, como o Palácio das Laranjeiras, onde moram os governadores do estado, buscou trazer a “brasilidade exagerada” fluminense pelo contraste da extravagância clássica do palácio com o caos moderno da protagonista. O palácio emerge, então, como um personagem da série, que além de ambientar, traz a tônica hiperbólica da série.
Eleita é, por fim, uma experiência que merece ser vivida. Especialmente por sua originalidade, que convida o espectador a uma experiência nova, mas também por sua qualidade a nível de criação, atuações e roteiro. A ideia de trabalhar com um surrealismo cuja maior referência é a política brasileira e internacional foi muito bem comprada por todo o corpo da série, que a fez acontecer nos diálogos, expressões e paisagens, sem perder de vista a comédia. Além de tudo, a série é uma boa pedida para quem estava com saudade do humor característico de Clarice Falcão. Um prazer te ter de volta, Clarice!