Crítica | Gracie Abrams, “Good Riddance”

Em ‘Good Riddance’, Gracie Abrams transforma conflitos pessoais enquanto cruza incertezas e medos em uma exposição destemida e crua.

Quando se imagina alguém se tornando uma pessoa mais madura, o primeiro pensamento pode envolver uma nova postura séria, direta e que se estabelece por interações curtas, mas que vão direto ao ponto. Falar demais e não saber se expressar, evitar conflitos e quando é preciso interagir nada sair exatamente como planejado, são definições mais ligadas a alguém que ainda não cresceu de verdade dentro da cabeça.

Mas esse é apenas o pensamento mais genérico possível, pois é fato que cada tipo de engrandecimento é único… alguns mais rápidos por pressões externas, outros que demoram anos e anos e alguns que mesmo parecendo já terem surgido, nunca foram desenvolvidos de verdade. O amadurecimento na visão que se tem da própria arte também entra nisso, e ele pode até ser um pouco mais difícil de ser condensado, já que exige algo de dentro do artista e que (para que todos possam perceber) seja colocado em palavras, sonoridades e músicas.

Isso não significa que sair de algo extremamente pop e animado e fazer algo mais pesado e experimental seja a cura milagrosa, nem sempre é preciso mudar tanto quando as criações fazem ser fácil acreditar que realmente houve um crescimento pessoal. Começar com uma faixa crua que contém basicamente voz e piano não significa que alguém desenvolveu exatamente o necessário para que olhares e pensamentos duvidando para onde sua carreira vai sejam evitados. A melancolia por si só não é o bastante para dar uma cara adulta a qualquer música, é preciso ir além e provar que a evolução aconteceu, tanto de forma externa quanto internamente. Em ‘Good Riddance’, Gracie Abrams transforma conflitos pessoais enquanto cruza incertezas e medos em uma exposição destemida e crua.

O disco de estreia da cantora foi criando um certo buzz lentamente. De poucos ouvintes em seus primeiros lançamentos, a um grupo que passou a acompanhar de perto após dois EPs lançados, passando por aqueles curiosos sobre quem tem o mesmo sobrenome que ela e até a moça se tornar um dos atos de abertura selecionados de uma das turnês mais aguardadas do momento. Gracie Abrams vem despertando interesse de forma orgânica, e por mais que essa ascensão tenha culminado em um primeiro disco competente, é possível perceber que não há deslumbramento vindo da artista. Prover essa sensação parece até estratégia, já que sua sonoridade densa, profunda e um pouco depressiva tende a soar um pouco pesada para ser suportada.

Produzido majoritariamente por Aaron Dessner (membro do The National), suas batidas etéreas e piano triste podem ser ouvidas e encaradas como algo previsível, mas o diferencial do produtor e com quem ele trabalha é justamente a forma como dois se transformam em um só. Em ‘Amelie’, Gracie contempla sobre uma garota que conheceu e que provavelmente nem se lembra dessa interação, em uma faixa que fala mais sobre quem a canta do que sobre quem tem seu título.

O que permeia é um tom de alguém que procura saber onde o outro está mais como uma forma de preenchimento pessoal do que realmente encontrar essa pessoa novamente. Esse ‘egoísmo’ nas letras de ‘Good Riddance’ é um tópico comum, mas é elaborado de forma que eleva as histórias contadas em suas doze faixas, afinal, o disco é sobre o que Gracie sente e viveu. Por mais que outros personagens estejam em suas palavras, o objetivo final sempre será mostrar como ela se sentiu e o que reflete até hoje sobre cada uma das situações.

Best’ é um bom exemplo de como suas ações ricocheteiam, em sua ponte ela narra razões pelo qual não era a pessoa perfeita, e mesmo tendo todas as respostas para o que se perguntava, ainda é claro que ela não está tão perto quanto gostaria de nunca mais sentir peso na consciência. As sonoridades mais animadas aqui (se é que exista algum momento tão otimista) estão em ‘Where do we go now?’ e ‘I know it won’t work’, ambas com produção adicional de Matias Tellez.

A primeira é sobre o momento mais angustiante de qualquer tipo de relacionamento: o que fazer quando se é um dever fazer algo mas não se sabe o que deve ser feito? A angústia no refrão que repete o título da música funciona porque durante todos os versos ela deixa claro que mentiu, tentou, fingiu e fez o possível, mesmo que das piores formas, para salvar algo fadado ao fracasso.

‘Good Riddance’ não chega a ser um oceano de sentimentos profundos e difíceis, mas é uma piscina bem funda. Em vez de se alargar em contar outros pontos de vista de suas histórias, o disco mergulha em si mesmo como se estivesse cruzando quilômetros de pensamentos pessoais que ecoam por anos na mente de Gracie Abrams.

Essa decisão foi a melhor escolha para compor o que ela tem a dizer aqui, pois sua cabeça é bastante confusa… não em suas decisões e ultimatos, mas em como ela anda em círculos sem parar até perceber realmente que o problema está em si mesma.

Admitir e até transparecer os erros que cometeu é uma forma honesta de pedir desculpas para suas inspirações e também enriquecer suas letras. A cantora não tenta ir além e deixar o resultado complexo pois não há razão para enfeitar algo que ela vem tentando justamente desembaraçar há tanto tempo.

Fazer com que este seja um trabalho que deixe o ouvinte com menos dúvidas sobre ela é a melhor sensação que suas faixas podem oferecer. E mesmo que alguns ainda saiam com algumas perguntas, é impossível não dizer que muitas camadas foram despidas.

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