“Há alguma p*** errada comigo”, grita Machine Gun Kelly no hino da nova geração, “I Think I’m OKAY”, parceria com Travis Barker, lendário baterista do Blink 182, e a revelação britânica YUNGBLUD. A canção, que até então era apenas uma tentativa de Colson Baker, nome real de Kelly, honrar suas raízes além do rap, obteve mais de 300 milhões de plays no Spotify e 100 milhões de views no YouTube, tornando-se o ponto de partida para a mudança de direção na discografia do músico norte-americano.
Ainda que alguns fãs permaneçam batendo na tecla que o pop punk não passa por um “revival” e que o estilo sempre esteve presente na cena underground, é inegável que Barker e MGK são dois dos maiores nomes da nova onda do subgênero no mainstream. O apelo comercial dos trabalhos criados por Colson e Travis vem da sonoridade que ganhou espaço no início do século, mas uma das grandes estratégias de persuasão do duo é a estética. Eles estão no topo do padrão audiovisual adorado pela parte desajustada dos jovens: tatuagens, piercings e a abordagem melancólica de temas como transtornos psicológicos, traumas de experiências pessoais e problemas emocionais; tudo isso abre espaço para o discurso quase niilista sobre o vazio de uma vida que parece estar fadada ao fracasso. Só parece.
MGK sempre foi subestimado no rap, ainda que tenha feito bons trabalhos como o ótimo Hotel Diablo, de 2018, disco que conta com “El Diablo”, “Glass House”, “Burning Memories” e “5:3666”. A audácia e agressividade para confrontar Eminem na diss “Rap Devil” o ajudou a se livrar de alguns demônios, é verdade, mas ao mesmo tempo atraiu holofotes de todos os cantos do globo. O relacionamento repentino com a superstar Megan Fox, estrela dos filmes Jennifer’s Body, Transformers e par romântico do músico no vídeo de “Bloody Valentine”, um dos maiores singles da carreira, também colocou em xeque o discurso desvalorizado ao redor do rapper de Cleveland.
Dois anos depois, em 2020, Tickets To My Downfall, rendeu o primeiro número 1 nos charts da Billboard para o músico. O álbum, que recentemente recebeu certificado de platina nos Estados Unidos, alavancou a carreira de MGK. Os singles “My Ex’s Best Friend” com Blackbear, “Drunk Face” e “Forget Me Too” com Halsey deram diversos prêmios ao artista, além de terem o colocado como headliner dos maiores festivais do planeta. A mistura da nostalgia com a inquietude de uma mente prestes a perder as batalhas travadas contra si se transformou na faísca que Kells precisava para incendiar o mainstream. E assim o fez. Definido como “um respiro de atitude no rock atual” pela referência Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, Machine Gun Kelly assumiu a pose de rockstar jovial – mesmo aos 30 – e se tornou em um dos maiores fenômenos da nova geração.
Partindo do pressuposto, Mainstream Sellout, sexto álbum de estúdio da carreira, consolida Colson no topo da indústria, ainda que use fórmulas recicladas do sucesso estrondoso de seu antecessor. Não é um grande passo à frente, mas se justifica por canções que caem no gosto popular de seu jovem público-alvo; mais uma vez ao lado de Barker, Machine explora a melancolia inerente de seus sentimentos nessa obra de 16 tracks e quarenta minutos.
Aqui, disserta sobre problemas do passado com o falecido pai, confessa lutar de forma rotineira contra o vício em drogas, desabafa sobre o tratamento para depressão e divaga sobre as consequências de tentativas de suicídio, ainda que volta-e-meia encontre tempo para não soar tão compromissado e explorar instrumentais guiados por gritos repetitivos. “Emo Girl”, com Willow, por exemplo, não se leva a sério e aposta em riffs pegajosos e refrões chiclete para ser um sucesso comercial divertido: a canção está nas propagandas, nas rádios, é cantada a plenos pulmões nos shows e virou trend no TikTok. Missão cumprida.
As outras faixas de divulgação, “Make Up Sex” com Blackbear, e “Ay!” com Lil Wayne são as mais pops do trabalho e mergulham em instrumentais regidos a beats eletrônicos e flows cantados. As participações especiais funcionam, ainda que não possuam tanto poder no trabalho em um aspecto geral. Já “Maybe”, com Oli Sykes, é uma bomba de energia a la faixas dos últimos trabalhos do próprio Bring Me The Horizon e funciona como um grande atrativo para apresentações ao vivo, vide as performances no Lollapalooza na América do Sul no fim de março.
“Born With Horns” abre os trabalhos com o brilho estrondoso e ressonante da bateria de Travis e dá boas vindas ao tema principal acerca de Mainstream Sellout: o incômodo interno de MGK. “God Save Me”, um dos destaques, é uma ode aos grandes clássicos do pop punk drop #D com elementos eletrônicos de background inspirados no trap que abrilhantam os caminhos que levam às confissões do eu-lírico, no ápice da instabilidade mental.
A faixa-título entrega um som previsível mais uma vez guiado pela percussão marcada, mas cresce em um refrão que mostra a vontade intrínseca na personalidade de Colson em bater de frente com àqueles que o odeiam: “Eu ouvi o feedback, eu só sou um poser com uma guitarra e uma gargantilha” / “Deixe a cena que você está arruinando”. Vale os quase dois minutos de duração, ainda que não ofereça muito além do sarcasmo de um artista bem sucedido, mas muito criticado.
“Eu estou pouco me fodendo pro que vocês pensam”, diz o protagonista em “Ay”. Kells não quer ter razão, mas de forma incisiva deseja mostrar que alcançou o estrelato. Ele usa dessa conquista para cada vez mais fortalecer o acrônimo criado há quase dez anos atrás ao lado de seus fãs: EST, “Everyone Stands Together” (na tradução em PT-BR “Todos Permanecem Juntos”), que engrandece o discurso esperançoso de aceitação entre o público. É quase como se o ego e a verdade de Kelly se juntassem em um propósito similar, mesmo que por diferentes objetivos.
Outro grande destaque do álbum, “5150” despe a dualidade entre Colson Baker na vida pessoal e Machine Gun Kelly na vida pública. O nome da canção é o código de lei na Califórnia para internações psiquiátricas involuntárias, quando um indivíduo apresenta perigo para si devido a alguma doença.
“Papercuts”, melhor faixa do álbum, soa como um escape grunge na sonoridade do trabalho, mas surpreende com um terceiro verso que apresenta o flow veloz característico de Kells no rap:
“Passei muitas noites pensando que posso dormir e nunca mais acordar; Eu gasto muito dinheiro nessas sessões de terapia mesmo que eu não esteja indo; Eu passo muito tempo curando minha mente e meu coração mas eu ainda coloco essas drogas na minha garganta”
“Eu sou do lado leste de Cleveland, onde o garoto que estava morrendo de fome com você agora pode tentar te comer vivo; Você vai dizer que eu mudei de gênero, eu só vi o limite e fui mais longe; Eu sou um gênio, poderia ter feito Donda, mas essa música é para meu pai morto.”
Quando termina o capítulo sobre problemas com a depressão, MGK discursa com complexidade sobre família e uso de drogas. A sensação que o músico encontra na arte sua maior forma de escape das crises existenciais é quase constante. Então, embora a maior parte de Mainstream Sellout não seja brilhante ou revolucionária, é complexa e honesta o bastante para tornar esta nova era em um momento icônico, pelo menos na própria carreira.
A moda é cíclica. Se em 2005 nomes como Paramore, My Chemical Romance, New Found Glory ou Avril Lavigne ditavam o ritmo do jogo no mainstream “emo” ou “pop punk”, quase vinte anos depois é a vez de MGK. No âmbito musical, seu som não surpreende, mas é importante que as recentes gerações tenham novas vivências e presentes referências na forma artística.
Distante do clichê do produto formatado para se tornar um sucesso, Colson Baker não quer convencer quem o escuta que é bom ou merece estar nos topos dos charts ou nas maiores premiações; talvez nem produza trabalhos que justifiquem todos os troféus que tem colecionado recentemente, na realidade. Contudo, seu sexto álbum de estúdio é um manifesto verdadeiro e assertivo sobre a realidade jovial de parte dos desajustados ou, quem sabe, um respiro de Kells sobre sua realidade particular angustiante; o fato é: há por aí quem se identifique.