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Crítica | Nathy Peluso, “GRASA”

“GRASA” apresenta um lado ainda mais afiado, porém sensível, da cantora argentina. Afinal, algumas facas tem dois gumes.

“Esta ambición me está matando” é a primeira linha de “CORLEONE”, canção que abre GRASA, segundo álbum de estúdio da cantora argentina Nathy Peluso. A introdução dramática sampleia “From Russia With Love” de Matt Monro, parte da trilha sonora de um dos filmes da turbulenta Franquia 007 que leva o mesmo nome do longa no qual aparece (no Brasil, recebeu o título de Moscou Contra 007).

Já Corleone, bem…não seria estranho associar o nome a uma das famílias mais famosas do cinema: a de O Poderoso Chefão. Com o terreno preparado para um clima tenso e doses cavalares de drama, já é possível sentir um prelúdio do que virá por aí. E, durante 2 minutos e meio, a letra já dá o tom do disco, dinheiro, fama, as responsabilidades e complexos pensamentos sobre a própria carreira da artista que, aos 29 anos, ordena essa confusão de sentimentos em uma novela envolvente, sensual e cheia de facetas, algo digno de filme.

Os projetos anteriores de Natalia Beatriz Dora Peluso já pareciam indicar essa estrada, como em Calambre (2020), seu disco de estreia. Sucesso de crítica, arrematou mais de uma indicação ao Grammy Latino, (premiação na qual seria vitoriosa no ano seguinte), entrou no radar de um público além do latin pop, e rendeu-lhe uma aclamada turnê, isso tudo em meio ao timing da pandemia (e do pós) de Covid-19. 

À época, Nathy já flertava com uma postura sensual e dominadora, abraçando tanto a posição de artista enquanto mulher e latina na indústria quanto a de uma figura pessoalmente atrevida, sexualmente empoderada, certa de seus posicionamentos. Veio disposta a, de fato, estar com ambos os pés na porta e coração aberto para o que lhe viesse – tanto profissional, quanto sentimentalmente, como uma moeda no cara ou coroa que girava sem tocar o chão. Ora, cantando sobre paixões ardentes e melancólicas relações, ora cheia de sede pela conquista. Mas, afinal, e agora que a porta foi aberta?

O salto de GRASA conversa com o lado da moeda que fala de carreira e a série de acontecimentos entre um álbum e outro (e os milhares de trabalhos lançados nesse meio tempo) que hoje a colocam como um grande nome da nova música argentina, do pop e como uma hitmaker com um ótimo dedo para parcerias grandiosas, desde o produtor Bizzarap ao cantor C. Tangana. Agora que está tão no alto, é hora de se voltar para algo que, na onda de adrenalina que dava o tom para canções como “Business Woman” e “ELLA TIENE”, ficava de lado em prol de não ser parada por isso: o medo de cair. 

E com queda, vai muito além de uma possibilidade de fracasso: é o receio que uma criança pode sentir em seus primeiros passos, em busca da figura que irá ajudá-la a andar. “Cuando sea mayor quiero ser/Tan guapa como tú, tan brillante/Siempre he tenido apuro en crecer/Lo siento si yo he sido arrogante”, ela canta na emocionante “MAMÁ”, homenagem à mãe. GRASA, em espanhol, pode ser traduzido, ao pé da letra, como algo gorduroso. Brilha, mas é meio ensebado. Não seria talvez esse um pouco do gosto do estrelato?

Ela também trabalha em vários momentos o nervosismo sobre sua nova posição e escolha de vida e companhias duvidosas, algo bem explícito em faixas como “LEGENDARIO”, “ENVIDIA” e “MANHATTAN” e, principalmente, de cair em si e, daí, se perder. 

Por dinheiro, imaturidade ou o grande receio de, na verdade, não estar chegando a lugar algum: por trás de uma imagem forte, segura e bem posicionada, Nathy abre aqui um espaço em seu coração tomado pela vulnerabilidade de quem chegou muito perto do que sonhou, mas continua no processo de assimilar isso à realidade que, na indústria fonográfica, é capaz de permear muito mais do que as críticas a seu trabalho.

E isso não deixará de impactar nos outros temas que atravessam o disco. Sem muito espaço para o romance — There is no time for love, ela canta ininterruptamente em LEGENDARIO —, a mensagem que passa é a de fim de ciclos e uma era muito mais autocentrada, como já havia sido possível notar em “APRENDER A AMAR”, o único single trabalhado antes do lançamento. Dona de composições exageradas e metáforas evocativas de capítulo final de novela, é em GRASA que a cantora refina as turbulências sentimentais, conferindo complexidade lírica até ao mais simples pensamento.

Cuando el amor no te da libertad

Hay que matarlo con frialdad

-La Presa, faixa 13

Sem esquecer detalhes que já a fizeram se destacar em projetos prévios como a mixtape “Esmeralda” e “La Sandunguera”, a coragem em transitar por diferentes gêneros coroa o trabalho atual com faixas que flertam com trap, salsa, eletrônica e até acena para o funk brasileiro na ótima parceria com Lua de Santana: “MENINA“. Assim, conduz uma série de faixas bem distintas entre si por quase uma hora de trabalho, e sem afundar quando desacelera em baladas como “IDEAS RADICALES” e “ENVIDIA“. Isso, vale lembrar, também é fruto da versatilidade vocal que Nathy nunca hesita em exibir, claro.

Por fim, também revela a dedicação da artista em experimentar, sim, com sons trendy, mas conciliando isso com estilos muito mais regionais, algo que sempre fez e, o mais importante: saber unir esses elementos sem perder a própria identidade. Conforme avança em carreira, se torna cada vez mais identificável a marca de Peluso, em sua total personalidade: seja pelos olhos heterocrômicos, a presença de palco avassaladora ou a grande capacidade de transitar pelos mais diversos espaços musicais.

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